Segurança

Casos de violência doméstica crescem 150%

Passados 10 anos desde a criação da Lei Maria da Penha, e apesar da pouca idade, a conquista de um feito resume a importância da primeira legislação de combate à violência doméstica no Brasil: ela é uma das leis mais conhecidas pelos brasileiros. Entretanto, o cenário de agressões a mulheres ainda é assustador e não para de crescer. Levantamento feito pelo Jornal O Florense com base no número de ocorrências registradas na Delegacia de Polícia (DP) de Flores da Cunha aponta para um crescimento de 150%, desde 2008 até o ano passado, no número de crimes contra a mulher. Enquanto que em 2008 foram registrados 55 casos, o ano de 2015 fechou com 137 ocorrências. De janeiro a julho deste ano já ocorreram 83 registros, o que corresponde a um caso a cada dois dias.

De acordo com a titular da DP de Flores, delegada Aline Martinelli, a violência no convívio doméstico não tem idade e não há qualquer relação com o estado civil das partes, seja concubinatos, casamentos, união estável ou namoro, entre outros. Ela cita como exemplo um caso recente ocorrido no município no qual o neto de 17 anos agrediu a avó de 63 anos com chutes, socos, tapas e ainda esfaqueou a idosa nos braços. O crime ocorreu no começo de julho no Centro da cidade, na residência da mulher. O agressor residia no Paraná e veio a Flores da Cunha após um desentendimento com seu pai.

Segundo a delegada, o adolescente permanece internado num centro de recuperação. Além desse caso, Aline destaca um fato ocorrido há dois meses em que uma mulher sofreu uma tentativa de homicídio por parte de seu ex-companheiro, do qual estava separada. O acusado acabou preso preventivamente no início de agosto. Ainda neste ano, em abril, uma mulher de 44 anos foi morta com dois tiros de espingarda pelo marido de 51 anos, após uma discussão na residência do casal, no loteamento Sonda. Em seguida, o homem se suicidou.

Conforme a delegada, apesar de a lei ter endurecido a pena ao agressor e ampliado o leque de proteção à vítima, com as medidas protetivas, os crimes de ameaças e lesão corporal são a maioria dos casos, e por serem de natureza leve, poucos agressores vão para a prisão. Além disso, muitas vítimas acabam não denunciando seus agressores, seja por medo, por questões financeiras ou psicológicas, entende a policial.

O entendimento de Aline é de que em Flores da Cunha deveria existir uma casa de passagem, como há em outros municípios, para abrigar temporariamente as vítimas de violência, até que a situação seja contornada. A delegada ressalta que a Delegacia de Polícia presta especial atenção a estes casos que hoje consomem muito trabalho. Em caso de violência doméstica as mulheres devem procurar os seus direitos, pois “não existe mulher que goste de apanhar, o que existe é mulher humilhada demais para denunciar, machucada demais para reagir e pobre demais para ir embora”, opina.

 

Número de ocorrências por ano

2008 – 55

2009 – 86

2010 – 105

2011 – 111

2012 – 116

2013 – 113

2014 – 83

2015 – 137

2016 – 83 (6 meses)

Fonte: Polícia Civil.

 

“No início achei que fosse apenas um descontrole”

Quando seu ex-companheiro a agrediu pela primeira vez dentro de casa, a jovem L., de 21 anos, acreditou que fosse apenas um descontrole dele, de que tudo não havia passado de um desentendimento. Ela levou um soco no rosto. Mesmo assim, continuou com o agressor e não realizou nenhuma denúncia. Daí em diante, o período foi de ameaças, xingamentos e agressões. Especialmente quando os dois discutiam. Embora as marcas da violência física não aparecessem no corpo, elas foram ficando na alma. “Apesar de achar desde o início ele bastante autoritário e ciumento, acreditava que ele gostava de mim e que isso era apenas um descontrole dele. Demorou para perceber essas atitudes”, diz ela. Após três anos juntos, L., que tem uma filha de seis anos de outro relacionamento e mora no bairro União, decidiu se separar. As brigas constantes, as desconfianças e a sensação de estar sendo vigiada todo tempo a levaram a tomar a decisão.

O companheiro não aceitou a separação e passou a persegui-la. Um dia, invadiu sua casa, começou a insultá-la, jogou-a no sofá e tentou sufocá-la. Era a primeira ameaça de morte. L. foi à delegacia denunciá-lo pela primeira vez. Ganhou uma medida protetiva contra o ex-companheiro, que tem 30 anos. Porém, não foi o bastante. Na noite de 5 de junho, uma nova ocorrência quase resultou em tragédia. A jovem recém havia conhecido um rapaz e iria para uma igreja em Caxias do Sul com ele quando, ao parar em casa para trocar de roupa, foi surpreendida pelo ex-companheiro. “Quando entrei no carro vi o carro dele descendo a rua. Ele parou e desceu do veículo. No momento pensei que ele iria bater em mim e no guri que estava comigo. Mas ele não disse nada, só tirou a arma do moletom, veio na minha direção e começou a disparar”, lembra a jovem. Ao todo, foram seis disparos de arma de fogo que atingiram o veículo em que L. e o amigo estavam. Por sorte, nenhum tiro atingiu a jovem e o rapaz.

O ex-companheiro foi acusado de tentativa de homicídio e preso na semana passada. Ele foi encaminhado ao Presídio Regional de Caxias do Sul, onde permanece à disposição da Justiça. Porém, as marcas e o medo deixados em L. seguem. Ela mudou de endereço, está mais cuidadosa e sente receio em andar sozinha. “Apesar dele viver dizendo que se eu o traísse ele me mataria, nunca pensei que fosse capaz. E o problema é que quando esqueço tudo isso por um minuto, ele me liga de telefone confidencial. De nada adianta estar preso porque não me sinto segura mesmo assim”, declara. Agora, L. tenta reconstruir a vida ao lado da filha. Trabalha como diarista e na venda de produtos de beleza. Não está mais namorando e deixa um alerta para mulheres que passam ou passaram pela mesma situação: “Quando há sinais de que o marido é agressivo, as mulheres não devem insistir em querer mudá-los, porque não adianta”.

 

Legislação completa 10 anos

Cearense de Fortaleza, Maria da Penha Maia Fernandes tem 71 anos e é farmacêutica bioquímica aposentada. Em maio de 1983 ela levou um tiro nas costas, enquanto dormia, disparado pelo então marido Marco Antonio Heredia Viveros. O ferimento a deixou paraplégica. Marco Antônio foi julgado e condenado por duas vezes, mas saiu em liberdade devido a recursos de defesa. Em 1994 Maria da Penha publicou o livro Sobrevivi... Posso Contar, que em 1998 serviu de instrumento para, em parceria com o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem) e com o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), denunciar o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A denúncia resultou na condenação internacional do Brasil, pela tolerância e omissão estatal, com que de maneira sistemática eram tratados pela justiça brasileira os casos de violência contra a mulher. Com a condenação, o Brasil foi obrigado a cumprir algumas recomendações. Dessa forma, foi criado o projeto de lei que, após ser aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados e no Senado, foi transformado, em 7 de agosto de 2006, na Lei Federal 11.340 – Lei Maria da Penha. Anos mais tarde, ela fundou o Instituto Maria da Penha, ONG que visa contribuir para conscientização das mulheres sobre os seus direitos e o fortalecimento da legislação.

Média mensal este ano é de 14 mulheres agredidas em Flores da Cunha e Nova Pádua. - Agência Brasil/Divulgação
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