Alessandra Pauletti e Madeleine Ferrarini

Alessandra Pauletti e Madeleine Ferrarini

Entre Uma Coisa e Outra

Alessandra Pauletti, artista visual. Nasceu em São Paulo e reside, desde a infância, em Nova Pádua. Em seu trabalho explora o universo das narrativas mitológicas. 

Madeleine Ferrarini, psicóloga, florense. Idealizadora e coordenadora do Instituto Flávio Luis Ferrarini.

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“Toque de ouro”

A cada atividade que realizamos, é preciso aliar todas as nossas habilidades físicas e mentais, para alcançar um determinado objetivo

Comum dividirmos as atividades humanas em trabalho intelectual e trabalho braçal, presumo haver um certo exagero nesta divisão, afinal o corpo e a mente trabalham juntos. A cada atividade que realizamos, é preciso aliar todas as nossas habilidades físicas e mentais, para alcançar um determinado objetivo. 
Entendo um pouco o motivo dessa divisão, pois o trabalho braçal, o lavoro foi primordial para que nossos antepassados pudessem sobreviver, uma pena ter sido transmitido através das gerações como uma sentença punitiva. A origem da palavra trabalho deriva do latim tripalium ou tripalus, termo utilizado para designar instrumentos de tortura. Não é difícil encontrar pessoas queixando-se de ter que “trabalhar”. Esse trabalho cansativo e alienante, que nos transforma em uma espécie de máquina foi brilhantemente descrito por Charlie Chaplin em seu filme: ‘Tempos Modernos’. 
Sabemos que a principal forma de labor do início da civilização era para a produção de alimentos, o homem produzia apenas para consumo próprio e como moeda de troca. Já com a produção artesanal o trabalhador se identifica com o seu produto, sentindo-se diretamente responsável pelos resultados adquiridos. A emoção sai de linha com a chegada da Revolução Industrial, a palavra mais usada passa a ser razão. Tudo passa a ser calculado, cronometrado e essa rigidez transpõe os muros das fábricas definindo novas formas de convivência para uma nova sociedade.
O fato é que, para alguns, o trabalho representa castigo, incômodo, algo esgotante e para outros é associado a realização, crescimento pessoal, espaço de criação, possibilidade do ser humano marcar sua existência no mundo.
Infelizmente existem muitas pessoas que competem entre si, não apenas pelo ganho financeiro, mas pela quantidade de tempo que se submetem ao esforço braçal, em uma disputa para ver quem se esgota mais trabalhando. Na Grécia antiga “tudo o que passa da medida” era chamado de Hybris, essa “arrogância funesta ou orgulho”, essa falta de equilíbrio provocava a ira dos deuses. O excesso não é saudável, a balança precisa estar equilibrada. 
Lembrei-me agora do mito do rei Midas que desejou ao deus Dionísio que tudo que ele tocasse se transformasse em ouro, longe de ser uma dádiva esse pedido transformou-se em maldição, pois logo ele percebeu que morreria de fome. E o pior foi que sem querer ele tocou em sua amada filha que virou uma estátua de ouro. Desesperado, Midas implorou a Dionísio a reversão de seu desejo. Benevolente, o deus atendeu a súplica, mas não sem antes fazer com que Midas aprendesse uma lição valiosa sobre a ganância.
Midas, então, passou a repugnar a riqueza, mudando-se para o campo e tornando-se seguidor de Pã, deus dos bosques, dos sátiros etc, conhecido também como pânico. Neste lugar, Midas conheceu Apolo (deus da música, sabedoria, justiça), pelo qual passa a sentir inveja do brilho dourado que esse naturalmente espalhava. Acontece que Pã decidiu desafiar Apolo em um concurso de música. Como era de se esperar, Apolo venceu a disputa com a aprovação de todos, menos a de Midas que questionou com rispidez a decisão. Isso enfureceu Apolo, que decidiu punir Midas, fazendo com que crescesse nele um par de orelhas de Asno. Midas, para esconder sua burrice, passou usar turbante, mas o seu criado sabia dessa característica e contou para todos, fato que desencadeou a ira de Midas que matou seu escravo e, em seguida tirou a própria vida.
O maior engano cometido por Midas foi esquecer que já era rei. 
Cada um de seu jeito, todos somos reis, se conseguirmos tirar o melhor, seja de qual for a atividade que exercermos – dona de casa, engenheiro, pedreiro, artista, empresário, enfermeira... ou rei – temos todos o poder do “toque de ouro”.