Alessandra Pauletti e Madeleine Ferrarini

Alessandra Pauletti e Madeleine Ferrarini

Entre Uma Coisa e Outra

Alessandra Pauletti, artista visual. Nasceu em São Paulo e reside, desde a infância, em Nova Pádua. Em seu trabalho explora o universo das narrativas mitológicas. 

Madeleine Ferrarini, psicóloga, florense. Idealizadora e coordenadora do Instituto Flávio Luis Ferrarini.

Contatos

Cada conto um ponto

O mundo imaginário nos permite buscar soluções para que possamos sentir-nos mais seguros para enfrentar os eternos problemas da vida

Um dos meus sons preferidos, depois do barulho da chuva, é o barulho do vento assobiando no calar da noite, rangendo por entre as frestas das janelas de madeira. 
Quando criança, eu morava na colônia em uma casa de madeira, lá a noite formava um breu que atiçava a imaginação. Mesmo dentro de casa a luz era precária, apenas uma lâmpada de 40 ou 60 watts fornecia uma tênue luminosidade. Frequentemente faltava luz e recorríamos às velas, isso normalmente acontecia em dias de chuva e tempestades antecedidas por raios e trovões. Relâmpagos riscavam o céu escuro e desabava uma chuva torrencial, os plásticos que substituíam os vidros nas janelas mal continham o vento e a chuva, sem falar nas goteiras que penetravam pelas telhas de barro rachadas. 
O escuro é o pai do medo. Essas noites eram um cenário perfeito para escutar estórias de fantasmas, histórias reais e inventadas que eu escutava enlaçada pelos magros, porém fortes e afetuosos braços de meu pai. A imaginação corria solta ao ouvir histórias das peripécias dos aventureiros bandeirantes, que desbravavam terras abrindo picadas pelo Brasil afora, enfrentando animais ferozes. Também me arrepiava toda ao escutar estórias sobre espíritos malignos e lendas como do Sanguanel, Saci-pererê, Negrinho do Pastoreio.
Claro, os contos de fada tradicionais também fizeram parte de minha infância. Considera-se que foram os Celtas que deram origem as histórias místicas. O livro “Contos da mamãe gansa” de Perrault foi baseado nas histórias que ele escutava de sua mãe ao pé da lareira. Os irmãos Grimm traduziram as narrativas da cultura popular. 
Os primeiros contos de fada eram narrativas de terror usadas para entreter os adultos, serviam também para assustar as crianças fazendo com que as mesmas contivessem seus ímpetos juvenis prematuros de explorar o mundo e colocar-se em risco. Esse mesmo medo auxiliava as crianças a desenvolverem seu caráter, revelava que uma vida compensadora e boa está no alcance de todos, mas apenas se as adversidades forem superadas com tolerância a frustração.
O livro “A psicanálise dos contos de fadas”, relata a importância dos contos de fada para as crianças, por meio de explicações místicas dos conflitos internos. Esse mundo imaginário nos permite buscar soluções para que possamos sentir-nos mais seguros para enfrentar os eternos problemas da vida. Quanto mais seguros nos sentimos dentro de nós mesmos, tanto mais podemos nos permitir aceitar e superar as frustrações cotidianas. Os antigos, com sua sabedoria, sabiam muito bem disso, e como acessar o inconsciente para criar adultos mais fortalecidos, resilientes e empáticos. 
“Existe uma criança dentro de cada pessoa sabia”. 
Quando a princesa sofre de um sono profundo, na verdade, isso refere-se a fase adolescência em que queremos nos manter longe de tudo e de todos, principalmente da família, hibernando nos quartos para fugir dos conflitos internos ambivalentes entre o bem e o mal. 
A criança precisa transformar a própria mãe em “madrasta” para conseguir conduzir e compreender um relacionamento difícil e também para poder se afastar e ter sua própria identidade. É o pai (ou alguma figura que o represente) que precisa fazer o corte do cordão umbilical para fortalecer o jovem para a vida, por isso o pai é o rei que supre as necessidades dessa fase, assim como a mãe supriu a necessidade da fase do bebê e da primeira infância. 
Passadas essas importantíssimas fases do início das nossas vidas precisamos atravessar uma floresta escura e sombria, sozinhos. Esta solitude é necessária que aconteça dentro e fora de cada um de nós para que possamos viver a vida adulta e a velhice com o máximo de equilíbrio emocional possível.
Somos seres únicos, e, é natural que a cada conto se aumente um ponto.