Alessandra Pauletti e Madeleine Ferrarini

Alessandra Pauletti e Madeleine Ferrarini

Entre Uma Coisa e Outra

Alessandra Pauletti, artista visual. Nasceu em São Paulo e reside, desde a infância, em Nova Pádua. Em seu trabalho explora o universo das narrativas mitológicas. 

Madeleine Ferrarini, psicóloga, florense. Idealizadora e coordenadora do Instituto Flávio Luis Ferrarini.

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Entre verdades & mentiras

Na dinâmica da visão, nem sempre se pode ter certeza do que se vê

Na dinâmica da visão, nem sempre se pode ter certeza do que se vê. Nas redes sociais dispomos de filtros cada vez mais eficazes em disfarçar ou aperfeiçoar nossas imagens, levando o outro a acreditar que somos mais belos, mais magros, mais jovens e até mais felizes e bem-sucedidos. Criamos avatares de nós mesmos, tentando encontrar uma imagem que nos represente diante dos outros, ainda que a imagem criada não seja exatamente a nossa.
O mundo criado pelas redes sociais e a popularização de um estilo de vida ‘saudável’, forjou ainda mais a ideia de que o padrão de beleza pode ser alcançado por praticamente todas as pessoas. Percebesse isto não apenas em termos de cirurgias plásticas, mas também pela quantidade de academias, salões de beleza e de farmácias ser algo gritante.
Compreendemos a importância do autocuidado com a imagem e da prática de exercícios para a saúde física e mental, no entanto, o exagero das transformações drásticas é comum para homens e mulheres, cada vez mais o rosto e o corpo tornam-se objetos para a apreciação coletiva, ao invés de um método para expressão de identidades e sentimentos.
O mercado fitness que ‘vende’ corpos esculturais e as redes sociais que estão uniformizando ideais de beleza de maneira quase que perversa, muitas vezes são responsáveis por causar insatisfação, dor, angústia e problemas de saúde mental. O uso de filtros nas fotografias ameniza um pouco estes sintomas de inadequação e não pertencimento a essa cultura estética que costuma desvalorizar corpos velhos.  
Então, de fato, o que estamos realmente fazendo? Seria a imagem uma construção que encobre a verdade sobre nós mesmos?
A pintura de 1896: A verdade saindo do poço, de Jean-Léon Gérôme, foi associada a uma parábola, também do século XIX, na qual a mentira e a verdade foram banhar-se em um poço. A mentira fugiu vestindo as roupas da verdade, deixando a verdade nua. O mundo não gostou de ver a ‘verdade nua e crua’ e preferiu a mentira vestida com as vestes da verdade. Podemos nos vestir com as roupas das nossas supostas meias verdades, que gostaríamos que fossem verdades inteiras?
Criamos um jogo de ‘mostra e esconde’, assim como na brincadeira nomeada por Freud de Fort-Da, na qual o fundador da psicanálise observa seu neto brincando com um carretel, em um  jogo de vai-e-vem, e percebe a importância da presença-ausência. Algo se perdia e, ao mesmo tempo, era recuperado. Será que perderemos, nos labirintos da memória, o rosto e o corpo do passado? Quando, no futuro, buscarmos nossas fotografias antigas, seremos capazes de nos reconhecermos atrás de um filtro potente e consolador?
Os padrões de beleza mudaram ao longo da história. No passado a fotografia era fiel até mesmo aos narizes menos favorecidos. Sorrisos largos, mostrando os dentes, eram considerados inadequados para retratos, por serem vistos como sinal de imaturidade e até mesmo de loucura. Para algumas religiões e comunidades a fotografia era proibida. De acordo com as crenças, ser ‘fotografado’ lhes roubaria a alma. Havia ainda a perturbadora arte de fotografar mortos, uma última chance de ter uma lembrança de um ente querido.
Nos dias de hoje, diante de tantas possibilidades, surge a questão: Qual verdade será mais importante lembrar sobre nós? A registrada nas fotografias ou a registrada na memória? Difícil saber.
Talvez, e somente talvez, a única a merecer ser lembrada seja a suposta verdade que ficou guardada em nós, através dos tempos, em local sagrado, sem a necessidade de filtro ou censura. 
De qualquer maneira, cada época teve e tem suas crenças e modelos de beleza que nos levam a nos ‘enquadrar’ entre verdades e mentiras para sobrevivermos entre uma coisa e outra.