Alessandra Pauletti e Madeleine Ferrarini

Alessandra Pauletti e Madeleine Ferrarini

Entre Uma Coisa e Outra

Alessandra Pauletti, artista visual. Nasceu em São Paulo e reside, desde a infância, em Nova Pádua. Em seu trabalho explora o universo das narrativas mitológicas. 

Madeleine Ferrarini, psicóloga, florense. Idealizadora e coordenadora do Instituto Flávio Luis Ferrarini.

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Memórias involuntárias

Me belisquei para acreditar que a menina ‘Leine’, lá do Paredes, estava mesmo vivendo o sonho que nem sei se havia ousado sonhar

E lá estava eu, Madeleine, com um pacote de biscoitos madeleine no metrô de Paris, indo em direção à igreja de la Madeleine, situada nas proximidades da Place de la Madeleine. Me belisquei para acreditar que a menina ‘Leine’, lá do Paredes, estava mesmo vivendo o sonho que nem sei se havia ousado sonhar! 
Enquanto saboreava do biscoito madeleine lembrei-me do livro ‘Em Busca do Tempo Perdido’, de Marcel Proust, o qual simboliza o gatilho para a memória involuntária. Quando Proust levou à boca uma colherada de chá com um pedaço de madeleine, sentiu-se transportado, sem querer e sem pedir, a seus tempos de criança em Combray, na França. 
Foi na faculdade, durante a aula de ‘Atenção, Percepção e Memória’ que tomei conhecimento da história das madeleines do livro de Proust. Antes disso, o que eu sabia sobre a origem de meu nome era que minha tia/madrinha o havia sugerido a meus pais ao lê-lo em uma revista de fotonovela. Mais tarde, soube que na França é um nome relativamente comum, derivado de Madalena.
O ápice da viagem à França, para mim, foi muito além de ter a graça de vislumbrar a Torre Eiffel ou a Monalisa, foi poder criar novas memórias sentada em um café, saboreando madeleines diante da igreja de Madeleine, junto de minha filha, afilhada e amigos queridos.
Aprendi, na teoria e na prática, a chamada práxis: a primeira coisa que precisamos para obter o autoconhecimento é buscar compreender como o passado nos molda. 
Nessa mesma viagem, também tive o privilégio de conhecer a pequena comuna italiana de Cremona, chamada Formigara. Foi desse lugarejo que vieram meus antepassados. Procurei por vestígios dessa origem nos cemitérios e ruas dessa pequena comunidade. Ao fechar os olhos, pude escutar os sons do violino de Stradivarius, vindos da doce Cremona, e sentir na pele o tanto que esse povo teve que lutar para sobreviver as intempéries e guerras.  
Escrevo sobre minhas experiências e memórias para instigar você a ir em busca de seu tempo perdido, não com o intuito de viver do passado, e sim para que o presente seja valorizado com base no percurso das histórias de vida que nos fazem ser quem somos. 
Se sua história tem mais coisas tristes que boas, se você ainda não teve ou não terá a oportunidade de tocar nas terras de onde vieram seus descendentes, saiba que isso não é o essencial para conhecer o seu eu. Existem várias maneiras de conexão com nossa essência e a teoria pode ser tão empolgante quanto a prática. Pude me emocionar diante da estátua de Sainte Marie Madeleine, no Louvre, pois antes já havia tido a curiosidade de estudar sua história e viajar nas asas da imaginação. Entre uma cena e outra, entre imagens e palavras, constrói-se nossa memória que escorre pelas areias do tempo.

Obra: Ampulheta de Mnemosyne
Arte: Alessandra Pauletti