Danúbia Otobelli e Gissely Lovatto Vailatti

Danúbia Otobelli e Gissely Lovatto Vailatti

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Assim nasce uma tradição…

Era o ano de 1964. Da França para o Brasil, um quadro de Nossa Senhora com o Menino Jesus e um cacho de uva nas mãos começava a traçar o surgimento de uma nova tradição no município

Paris, 1964. Um piscar de olhos e de repente o Padre José Casanova Filho, passeando pelas ruas de Paris, depara-se com a Virgem cujo Menino segurava em suas mãos um cacho de uva. Foi algo quase inusitado e em um lampejo de memórias vivenciou uma tempestade de lembranças. Mesclaram-se recordações do colo de sua mãe, a sensação da uva sobre sua própria mão, a cultura e a tradição de toda uma região colonial. Não teve dúvidas, aquele quadro precisava estar em sua mala e voltar com ele para o Brasil. Precisava estar onde estavam os vitivinicultores para levar esperança e fé. 
Em terras brasileiras, por cerca de 33 anos, o Padre Casanova foi o guardião do quadro. Todavia, seu contato com moradores de Flores da Cunha e, em especial, a amizade com o Padre Homero Ruy Rossi, vigário da Paróquia São Marcos, do distrito de Otávio Rocha, certamente, volta e meia o faziam refletir sobre aquela imagem que traduzia tão bem a cultura local. 
Otávio Rocha, 1997. O domingo amanheceu festivo. Muitos se preparavam para participar da missa na Matriz. Depois de realizados os rituais de costume, o Padre Homero apresentou um quadro especial, presente do amigo Padre Casanova. Ninguém nunca havia visto uma imagem assim. Um quadro da Mãe, o Menino e a uva…, pensaram. E a curiosidade tomou conta do momento. Que santa era aquela que tanto fazia lembrar a própria história? A infância, no colo dos pais, debaixo dos parreirais, o aroma de uva madura, o doce sabor das vindimas… Padre Homero então contou, voltou no tempo para referendar o que viam, ainda que alguns mal conseguissem se concentrar para ouvir direito. As palavras se perdiam na tentativa de interpretação daquela imagem, tão diferente e tão familiar.
Aquele quadro havia chegado a um lugar onde a devoção à Nossa Senhora era inquestionável, a uva era o principal produto agrícola e a base da sustentação familiar, até as ruas da vila tinham nome de uvas. Foi questão de pouco tempo para que a imagem deixasse a casa paroquial e ganhasse berço para seu reconhecimento e celebração. 
Entusiasmados, especialmente Floriano Molon, Padre Homero Ruy Rossi e a Associação de Amigos de Otávio Rocha fizeram um verdadeiro movimento em prol da divulgação e do despertar da devoção. Diversas iniciativas contribuíram para infundir nas vivências coletivas a identidade popular e a devoção à Nossa Senhora da Uva, o que fez com que começasse a se constituir referência de identidade, incorporando-se ao patrimônio da comunidade. 
Dessa forma, na virada para o terceiro milênio, surge a ideia de unir os sentimentos e expectativas em um único monumento, na Praça Regional da Uva. Com ele, foi inaugurada, em 2001, uma reprodução do quadro de Nossa Senhora da Uva. Motivo de notícia em diversos jornais. Oração, santinho, monumento e outras representações materiais, permitiram que a imagem ganhasse cada vez mais visibilidade.
Foi assim que, com a aproximação do ano de 2006 e o anúncio de mais uma grandiosa Festa da Uva, na vizinha Caxias do Sul, surgiu uma oportunidade ímpar. A patrocinadora master do desfile alegórico buscava algo novo e representativo para abrir o corso. Na pesquisa tomou conhecimento que no distrito de Otávio Rocha existia a tradição de Nossa Senhora da Uva. Imediatamente a Associação de Amigos de Otávio Rocha foi contatada e desafiada a abrir o desfile com a representação de uma festa em honra a Nossa Senhora da Uva. Cerca de cem voluntários prontamente se colocaram à disposição para a encenação. Foram confeccionados e distribuídos quase 50 mil escapulários e orações. O sucesso foi tanto que a imagem ganhou repercussão nacional e até internacional. A alegoria, tão bem representada, conquistou publicações e noticiários.  E, a partir de então, tornou-se comum ouvir:  ‘sei que lá em Otávio Rocha tem a Nossa Senhora da Uva’. 
Nos anos que seguiram, gradativamente, inseriram-se novos elementos materiais que fortaleceram e potencializaram a cultura imaterial através de vivências cotidianas e da criação de imagens com rostos femininos que rememoram traços da mulher imigrante estabelecida nesta região. E todos nós, especialmente nessa estação que antecede mais uma vindima, protagonizamos a história desta tradição que aqui surgiu e está em processo de consolidação.
Outras iniciativas:
2002, a pedido da Associação de Amigos de Otávio Rocha, o escultor Jovino Nolasco de Souza confecciona a primeira imagem em exposição no Museu Padre Alberto Lamonatto. Em suas pesquisas apontou Otávio Rocha como berço da celebração no Brasil. No mesmo ano surgiu a ideia de criação de um evento fixo para celebração.
2003, na abertura da 10ª Festa Nacional da Vindima, é inaugurado um capitel no Parque da Vindima Elóy Kunz.
2004, Jovino Nolasco de Souza confecciona a segunda imagem exposta na Igreja Matriz de Otávio Rocha.
2007, o pesquisador e escritor Floriano Molon publica o livro ‘Nossa Senhora da Uva’, apresentando diversas imagens produzidas por artistas europeus. O Museu e Arquivo Histórico Pedro Rossi organiza uma exposição itinerante que circulou por museus e espaços culturais.
2009, Criação do Blog ‘Nossa Senhora da Uva’.
2010, durante a 37ª Festa da Colônia, a Praça Regional da Uva recebe o monumento com a santa, medindo dois metros de altura e pesando 600 quilos. No mesmo ano é composto o hino, de autoria do maestro Frei Gil de Roca Sales, entoado pela primeira vez pelo Coral Nova Trento.
2011, Floriano Molon lança o livro ‘Vinhos e Vinhas na Bíblia e Nossa Senhora da Uva’. 
2012, o grupo de idosos do 3º Distrito passa a usar a denominação ‘Grupo Otávio Rocha Madonna Dell’Uva’. Vestimentas, participações na confecção dos tapetes de Corpus Christi, hino e outras ações motivaram a divulgação da celebração em eventos e encontros.
2019, por iniciativa comunitária, junto à reforma da Igreja Matriz de Otávio Rocha, foi inaugurado um enorme vitral com a imagem.
2021, para o evento ‘É tempo de Vindima’, a Paróquia Nossa Senhora de Lourdes confecciona e sacraliza um estandarte produzido pelo artista Jésus Reis Pereira. Pouco tempo depois, encomenda ao artista Jairson Alves da Rocha a confecção de uma imagem em madeira, medindo um metro de altura. Depois de benta, iniciou a peregrinação entre vinícolas e comunidades. No mesmo ano, através do fundo social da Sicredi Serrana, o poder público realiza o inventário da celebração no município.