Danúbia Otobelli e Gissely Lovatto Vailatti

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Em Santa Justina, um túmulo diáfano

Alguns meses após a morte da moradora Matilde Tonin Scolaro, um mistério passou a envolver a comunidade

Estamos no mês de finados e lá vem uma história extraordinária. Corria a primavera de 1944 na comunidade de Santa Justina, nas proximidades de Otávio Rocha. Após uma breve enfermidade, a moradora Matilde Tonin Scolaro, com 70 anos, faleceu em 2 de outubro daquele ano. Natural de Vicenza, na Itália, Matilde veio para o Brasil ainda criança. Aqui, casou-se com Luiz Scolaro, também imigrante italiano. Era descrita como uma católica praticante e voraz leitora da Bíblia. Os vizinhos costumavam dizer que ela era ‘uma alma santa’. No dia seguinte ao seu falecimento, foi feito um grande acompanhamento, após missa e sepultamento no cemitério de Santa Justina. 
Até aqui, uma história normal. Porém, alguns meses após sua morte, um mistério passou a envolver a comunidade de Santa Justina. Em seu túmulo, começou a aparecer o contorno de um corpo, uma sombra misteriosa. O retrato, como se fosse um negativo, mostrava a posição de um corpo deitado do lado de dentro. Toda comunidade ficou surpresa e ninguém sabia do que se tratava aquilo. 
Um zum-zum de agitação percorreu a região e, logo, muitos curiosos passaram a visitar o cemitério para conhecer o túmulo. Dizem que até excursões, com ônibus de peregrinos de todo o estado, visitavam o local. A figura era tão nítida que logo chamou a atenção da mídia, que repercutiu o caso. Era uma aparição divina em plena Santa Justina. 
Nas páginas do jornal O Momento, de 23 de julho de 1949, constava “está se manifestando em um túmulo um verdadeiro e impressionante fenômeno. Trata-se de um túmulo em qual, há cinco anos jaz sepultada uma senhora, e cujo o túmulo permite ver, através de suas paredes opacas, o cadáver da referida senhora. E o caso parece verossímil”. A notícia segue informando que o jornal não conseguiu visitar o jazigo pessoalmente, mas que havia recebido uma fotografia “de uma pessoa de posição e que merece inteira confiança, e o cadáver aparece nitidamente”. 
Ainda se dizia que mesmo que o túmulo fosse pintado – e isso ocorreu diversas vezes para tentar compreender o fenômeno – a sombra reaparecia exatamente igual, inalterável, e no mesmo lado. Como isso poderia ser possível? Era um verdadeiro enigma.
Em entrevista ao Jornal O Florense em 2014, as sobrinhas-netas de Luiz Scolaro (esposo de Matilde), Mercedes Scolaro Caldart e Rita Scolaro Marcante, contaram que: “Antes de ir para o Exército, nosso pai, Caetano, e a segunda mulher dele moraram uns três anos com Matilde e Luiz. O tio Giggio estava enlouquecendo com essa situação e se sentia mal, pois não sabia mais o que fazer para resolver aquilo. Chamou até o bispo da época, Dom José Barea, para tentar explicar o fato, mas nada mudou”.
Dizem que certo dia apareceu na casa de Luiz um padre desconhecido que teria resolvido aquele mistério. Vendo Luiz Scolaro tão abatido pelo que estava acontecendo, o padre revelou que Matilde ajudava constantemente o Seminário Diocesano Nossa Senhora Aparecida de Caxias do Sul, mas sem o conhecimento dele e que precisava do seu perdão para descansar em paz. O padre disse: ‘ghe volaria che a perdonasse’ (é preciso que a perdoe). ‘Si, si. Là ze perdonata’ (sim, sim, ela está perdoada), respondeu Luiz. Contam que depois dessa visita, a imagem sumiu do túmulo e nunca mais apareceu. O padre, que ninguém nunca soube quem era, também sumiu.
O marido de Matilde, Luiz Scolaro, faleceu em 21 de fevereiro de 1955, aos 85 anos, e seu enterro “foi muito concorrido”. (Correio Riograndense, 23 de março de 1955). Na década de 1960 os familiares transferiram os restos mortais do casal do antigo túmulo – o qual aparecia a sombra misteriosa – para uma capela no cemitério, onde permanecem até hoje. E o antigo jazigo foi demolido. 
Em notícia do Jornal de Caxias, de 9 de outubro de 1976, consta que “o aparecimento do contorno de um corpo em túmulo situado no cemitério de Santa Justina foi devidamente explicado, em anos posteriores, através de fatores de ordem científica”. Porém, o periódico não explica quais seriam esses fatores.
Com o tempo, as peregrinações ao túmulo diminuíram e a história foi sendo esquecida pelas gerações seguintes. O que ficou foram algumas fotografias, registros em jornais e a memória de um povo. Sabemos que por mais fabulosas que sejam as histórias, quando repetidas, tornam-se extremamente significativas porque retratam as lembranças coletivas. Elas fazem parte da história de uma comunidade. Afinal, fragmentada ou pluralizada, a memória se aproxima da história pela sua ambição de veracidade.

 

 

Peregrinos junto ao túmulo de Matilde Scolaro. Na foto vê-se uma placa com os dizeres: dia 26 foi pintado.

 

 

 

Fotografia mostra o contorno de um corpo no cemitério de Santa Justina.