Juliano Carpeggiani

Juliano Carpeggiani

Cinemeando

Diretor e roteirista há 15 anos, é bacharel em Cinema pela Realização Audiovisual/Unisinos. Seus curtas-metragens O País da Cocanha (documentário) e Lá Longe (ficção) venceram o grande prêmio em festivais de cinema nacionais e internacionais. Cria e produz todos os tipos de conteúdos audiovisuais com ênfase na narrativa cinematográfica.

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O eco do silêncio: por trás do 'Som da Liberdade'

Longa, que obteve controverso sucesso nos EUA e no Brasil, já está disponível para aluguel em diversas plataformas

Tim Ballard (Jim Caviezel, Jesus em 'A Paixão de Cristo'), agente federal dos EUA, resgata um menino de uma rede cruel de exploração infantil. Ao descobrir que a irmã do garoto permanece em cativeiro, Ballard embarca em uma arriscada missão para libertá-la, aventurando-se na selva colombiana. 'Som da Liberdade' (2023), longa baseado em fatos reais, obteve controverso sucesso nos EUA e no Brasil, faturando US$ 212 milhões nas bilheterias. O filme está disponível para aluguel em diversas plataformas a partir de R$ 18,90.
Dirigido por Alejandro Monteverde, a obra é bem-intencionada ao abordar temas tão sérios quanto tráfico de crianças e abuso infantil; porém, numa perspectiva que não vai além da superfície. O protagonismo do herói unidimensional domina a trama, sem espaço para profundidade e reflexão sobre os impactos psicológicos nas crianças. De maneira questionável, o filme coloca o problema na conta dos latino-americanos, eximindo os EUA de crimes notórios de pedofilia envolvendo magnatas, como o corretor financeiro Jeffrey Epstein.
O sucesso comercial do filme foi impulsionado por bilionários da ultradireita, como o ex-presidente Donald Trump. Apesar dos ingressos esgotados, espectadores compartilhavam nas redes sociais imagens de sessões com salas vazias — estratégia semelhante foi adotada para alavancar os filmes 'Os Dez Mandamentos' (2016) e a biografia de Edir Macedo, 'Nada a Perder' (2018). No Brasil, 'Som da Liberdade' teve a distribuição gratuita de milhares de ingressos por meio de igrejas evangélicas, pela produtora Brasil Paralelo e pela Angel Studios. A mobilização de evangélicos, assossiações policiais, apoiadores da família Bolsonaro e outros que se definem apenas como conservadores levou, em tese, 1,7 milhões de espectadores às salas de cinema do Brasil. O diretor Monteverde declarou publicamente que discorda da apropriação cultural do seu filme como propaganda de extrema-direita.
Via de regra, a polarização política e a desinformação podem colocar grupos que se anunciam como guardiões dos valores morais, familiares e cristãos na posição dos fariseus. Uma investigação de anos revelou que o produtor do filme, Paul Hutchinson, tem um histórico de abusos contra mulheres, incluindo a tentativa de obter favores sexuais de uma vítima de 14 anos, resgatada do tráfico. Fabian Marta, um dos financiadores do filme, está preso por sequestro de crianças desde julho. Denúncias de assédio também surgiram contra Tim Ballard, o herói da história real. Sete mulheres que atuaram com ele em missões de resgate alegam "assédio, aliciamento e má conduta sexual".