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A cultura do streaming e a indústria criativa

Se você, leitor, prestar atenção no seu dia a dia, vai perceber que séries de televisão, filmes, músicas e jogos digitais estão disponíveis com apenas um clique

O consumo de conteúdos culturais hoje em dia depende, em grande parte, dos serviços de streaming. Se você, leitor, prestar atenção no seu dia a dia, vai perceber que séries de televisão, filmes, músicas e jogos digitais estão disponíveis com apenas um clique (e uma assinatura). Isso também implica na organização do consumo: quais plataformas assinar, o que está disponível em cada uma delas ou ainda, onde encontrar aquele filme ou série que está na mídia e sobre o qual os amigos estão comentando. É fato, portanto, que a popularização das plataformas de streaming como a Netflix e o Spotify mudaram a forma como nos relacionamos com produtos culturais e impuseram novos modelos de produção e distribuição nos setores criativos.  
No livro Streaming Culture: Subscription platforms and the unending consumption of culture (em tradução livre: Cultura do Streaming: Plataformas por assinatura e o interminável consumo de cultura) o pesquisador e professor da Universidade do Texas, David Arditi, chama a atenção para a mudança no modelo de consumo cultural, que agora é baseado em assinaturas, e como isso impacta os setores criativos e modelos de negócios. Segundo o autor, as corporações estão utilizando a tecnologia do streaming para transformar a maneira como consumimos cultura, criando um cenário que nos obriga a comprar cada vez mais, em uma espécie de consumo interminável. A cultura do streaming torna mais fácil o acesso ao conteúdo cultural e, com a variedade de assinaturas, nos insere em um ciclo interminável no qual “quanto mais consumimos, mais produzimos, e quanto mais produzimos, mais consumimos”. Estamos constantemente em busca de novos conteúdos, o que leva a mais assinaturas em serviços de streaming diferentes e ao compartilhamento de dados pessoais com as plataformas. 
A mudança na experiência do consumidor também é um aspecto relevante nesse cenário de consumo de conteúdo cultural via streaming, como por exemplo, assistir a séries completas em uma única sessão (as “maratonas”), o compartilhamento de senhas com amigos e familiares, ou até mesmo a fadiga da escolha com as múltiplas possibilidades de títulos disponíveis. Os sistemas de recomendação, impulsionados por algoritmos e curadores profissionais, também passam a ter um impacto significativo nas escolhas de consumo dos usuários. Anteriormente, o gosto era influenciado pela socialização com amigos e mídia, mas agora os algoritmos assumem um papel relevante na escolha de conteúdo, o que pode levar a uma seleção restrita de obras. 
Em pesquisa recente (parte do projeto “Panorama do consumo de conteúdo audiovisual sob demanda em plataformas digitais: mapeamento das dinâmicas regionais", financiada pela Fapergs) realizada com usuários de plataformas de streaming no estado do Rio Grande do Sul, a percepção geral sobre os algoritmos foi a de que eles são capazes de ordenar, de auxiliar e de direcionar/induzir o consumo. Ao mesmo tempo, os entrevistados disseram entender esse direcionamento e utilizam táticas para buscar outros conteúdos (como a recomendação de amigos, família, sites de redes sociais e mídia).  
É evidente também que o campo da produção de conteúdos nos setores criativos também passa por modificações. Essas plataformas se tornaram um grande canal de distribuição e, com isso, passaram a ter grande influência sobre o que é produzido. Além disso, os dados gerados pelos usuários ao consumirem conteúdo também são utilizados para a criação de novos produtos e serviços. A análise desses dados permite entender melhor o comportamento dos usuários e suas preferências. Assim, torna-se cada vez mais importante refletir e pesquisar sobre as implicações desse modelo de consumo e produção cultural em nossa sociedade, especialmente em relação às desigualdades que podem ser geradas por esse sistema. A concentração de poder nas mãos das grandes plataformas de streaming pode, além das questões relacionadas à governança, levar a uma uniformização dos conteúdos oferecidos, além de limitar o acesso a diferentes perspectivas e formas de expressão cultural.  

Vanessa Valiati
Jornalista, professora e pesquisadora no Mestrado Profissional em Indústria Criativa, Universidade Feevale
Paula Lisot
Mestranda em Indústria Criativa na Universidade Feevale