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Upcycling na moda: repensando o consumo e promovendo a criatividade sustentável

Um reflexo dos valores e aspirações de uma sociedade em constante transformação

Gilles Lipovestky, renomado filósofo francês, acredita que a moda é um reflexo dos valores e aspirações de uma sociedade em constante transformação. De acordo com ele, a moda está ligada, de maneira intrínseca, à busca pela individualidade, à expressão da personalidade e ao desejo de pertencer a grupos ou tribos específicas. Por meio das roupas que escolhemos vestir, buscamos nos destacar, nos diferenciar e nos adaptar às demandas de um mundo em constante fluxo.
Porém, Lipovestky também discute os aspectos negativos da moda como o consumismo desenfreado. E, nesse sentido, a constante vontade pela novidade faz com que a indústria da moda seja uma das mais agressivas ao meio ambiente. 
A produção em massa de roupas gera uma série de impactos. Uma das matérias primas mais utilizadas no mundo, o poliéster, não se degrada facilmente e, mesmo fibras naturais como o algodão, pode consumir grandes quantidades de água tanto para o seu cultivo quanto para o seu beneficiamento. Ainda, os processos de tingimento podem contaminar rios e oceanos.
Um dos exemplos mais impressionantes do descarte inadequado de roupas está no deserto do Atacama: um verdadeiro ‘lixão’ formado por 60 mil toneladas de roupas acumuladas – muitas delas nunca usadas – vem se formando ao longo de 15 anos. De acordo com o portal Business of Fashion (BOF), todos os anos a moda produz cerca de 53 milhões de toneladas de têxteis. Mais da metade dessa produção vai parar em aterros, o que nos ajuda a compreender como as roupas chegaram até o deserto do Chile.
No Brasil, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), a indústria da moda é responsável pela geração de 175 mil toneladas de resíduos têxteis anualmente. Infelizmente, apenas uma pequena fração dessas peças é reciclada de forma apropriada. 
Nesse sentido, o reaproveitamento criativo destes materiais se mostra uma alternativa cada vez mais relevante. O processo, conhecido como upcycling, é uma abordagem sustentável que busca repensar e transformar materiais descartados em novos produtos de maior valor percebido, incentivando a reutilização criativa e reduzindo o desperdício. Na moda, esse processo permite a criação de peças únicas, dando novo sentido a materiais já existentes.
O upcylcing pode levar em conta o aproveitamento de resíduos, o beneficiamento de roupas descartadas para a produção de novos insumos – ou em novas roupas – ou ainda, como fez a marca inglesa Alexander McQueen durante a pandemia, otimizar estoques. Com a dificuldade de acesso a novos tecidos (cuja produção atual está bastante ligada ao continente asiático e a demanda de transporte aéreo ou via marítima), a marca buscou reaproveitar materiais e modelos já existentes na criação de suas coleções.  
Transformar roupas usadas é algo que está no DNA da marca de origem gaúcha Insecta Shoes: quando surgiu, em 2014, usava roupas de brechó para produzir sapatos e, assim, aumentar a vida útil dos materiais. 
Já a marca carioca Farm – conhecida no mundo todo por suas estampas irreverentes – mantém o projeto re-Farm que tem foco na sustentabilidade e no reaproveitamento de materiais e também busca apoiar jovens profissionais, de diferentes áreas da cadeia têxtil.


É possível, ainda, se pensar no upcycling como uma prática que fortalece o vínculo da moda com a economia criativa. 
Vista sob esta perspectiva, a moda passa a buscar ir além da produção em massa e da padronização, priorizando a originalidade e o valor agregado. Dessa forma, estimula a colaboração entre designers, artistas, artesãos e profissionais de diferentes áreas, fortalecendo, assim, a interseção entre moda, arte, design e negócios. Isso leva a novas formas de produção, distribuição e consumo, valorizando a cultura, a identidade e a arte local, gerando um ecossistema criativo, ou seja, uma rede que estimula o desenvolvimento de talentos, a geração de ideias e projetos inovadores capazes de impactar positivamente a sociedade e a cultura através de negócios colaborativos.
As vantagens deste processo são inúmeras:  redução do impacto ambiental (ao evitar o descarte inadequado); promoção da criatividade e originalidade no design; reorganização de processos produtivos e conscientização sobre a importância da sustentabilidade na indústria da moda.
Ainda, o upcycling pode estimular a economia local, oferecendo oportunidades para designers independentes, artesãos e pequenos negócios, impulsionando a economia de forma socialmente inclusiva e ecologicamente responsável.

Dra. Renata Fratton Noronha 
Professora do Curso de Moda na Universidade Feevale
renatanoronha@feevale.br