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A vida das funerárias durante o Covid

Setor lamenta momento difícil, que impede e prejudica a qualidade das cerimônias de despedida

A perda de um ente querido é sempre um momento doloroso, que se tornou mais frequente com o aumento no número de vítimas pela Covid-19. Mais do que isso, o vírus também dificultou a despedida, encurtando a duração, limitando o número de participantes e impossibilitando o último toque antes do adeus, mesmo daqueles que não padeceram pela doença.
“O velório é um momento de sentimento, de perda, de dor. O que as pessoas mais querem é receber um abraço, um aperto de mão, um carinho. Isso está sendo suprido somente com um olhar”, observa o gerente e cerimonialista da CCR Assistência Familiar, Luiz Dalla Valle. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, a situação também é lamentada pelas agências funerárias, que têm seu serviço prejudicado pelas limitações impostas pela pandemia.
O intuito do trabalho das funerárias é prestar uma última homenagem a alguém que se foi, segundo Dalla Valle. Nos casos de mortes em decorrência do vírus, a impossibilidade de fazer velórios torna essa homenagem mais difícil: “A despedida mais digna é aquela em que se pode ver, tocar a pessoa. Fica mais complicado ainda para as famílias”, ele diz.
Nesse caso, o procedimento da funerária se resume a se deslocar até o hospital com a urna escolhida pela família, acomodar o falecido e levá-lo para o sepultamento ou para a cremação. No mês de março, a empresa registrou um aumento de 110% nos atendimentos – dos 28 casos, dez foram vítimas de Covid, um recorde absoluto até o momento.
O movimento é bem diferente do observado pelos empresários do setor no ano passado, quando houve diminuição na procura pelos serviços. “Nós acreditamos que tenha sido por conta do isolamento e do uso de máscaras. Mas essa variante que temos agora, mais agressiva, torna o momento muito mais complicado, muito mais delicado”, argumenta Dalla Valle.
Quando há a possibilidade de se fazer velórios, a cerimônia de despedida fica reduzida a 4h de duração, bem diferente da média de 24h que costumava predominar na região cerca de um ano e meio atrás. Além disso, os eventos só podem ser realizados durante o dia, com uma lista muito grande de restrições: de quantidade de pessoas, de idade, de participação de gestantes, hipertensos, diabéticos, entre outras.
Hoje, a indicação é para que as funerárias trabalhem com um limite de 10 pessoas por sala, quase sempre ocupada pela família. “Nas cidades pequenas todo mundo se conhece, então quando acontece um falecimento todo mundo se sensibiliza, costuma ir ao velório. A nossa maior obrigação é fazer a orientação, informar que se deve evitar aglomerações”, diz o gerente da CCR, que atende Flores da Cunha, Nova Pádua e Nova Roma do Sul e observa queda de até  80% no número de pessoas por velório.
Diante de tantas restrições, o momento é de inovar. Desde o início da pandemia, a empresa adotou um serviço online no qual interessados em participar da cerimônia podem, através de um link disponibilizado nas redes sociais, enviar suas condolências de forma remota. O serviço permite mandar mensagem, o nome e a cidade de onde estão falando, inclusive anexar fotos para que a família visualize. “Tivemos que buscar algumas coisas diferentes para esse momento ficar marcado, mais do que de tristeza, de perda, de dor, como uma homenagem. Nós fazemos um cerimonial, com entrega de rosas, chuva de pétalas de rosas, que a gente faz nos cemitérios quando é caso de Covid, soltura de balões, música ao vivo com violão, violino, um tenor que canta. Para quem participa do luto, é bem positivo. Não tira a dor, mas ameniza, conforta, acalenta”, conta Dalla Valle.
Tudo isso para que o momento não seja uma cerimônia de morte, segundo ele, mas uma celebração da história de vida que a pessoa teve, para que quem fica possa, além de se despedir, dar mais valor à vida. “Nós não gostaríamos que fosse dessa forma. Nós prezamos a qualidade e não a quantidade. O nosso maior problema, o nosso maior sentimento, é não poder atingir o objetivo de proporcionar às famílias a despedida digna da forma que buscamos há muito tempo”, encerra o cerimonialista.

O luto individual e o luto coletivo

De acordo com a psicóloga Rejane Graciela Pelizzer Dallarosa, depois de mais de um ano de pandemia, as pessoas vivenciam uma espécie de luto diferente: todas estão de luto – pelas mortes que não param de ser contabilizadas e pela perda da referência da vida anterior à pandemia. “No luto individual, há um processo de readaptação à nova rotina e a implicação de sentimentos limitantes. No coletivo, há a desesperança, o medo de morrer e de perder um familiar”, diz Rejane, que observa um aumento na busca por acompanhamento psicológico.
Para lidar com o luto, se produz uma narrativa sobre a morte, baseada em como a pessoa ficou doente, suas limitações físicas, as complicações e em como ocorreu a morte em si. Mas a realidade da pandemia não permite isso, já que o familiar é deixado no hospital e nunca mais visto. Não saber o que passou se faz com que as pessoas fiquem presas nesse pensamento e a privação do ato fúnebre traz ambiguidade na elaboração da perda, segundo a psicóloga.
A orientação de Rejane é expressar a dor, legitimar e não repreender os sentimentos. “As circunstâncias atuais nos colocam em um lugar de impotência e fragilidade emocional. Isso não pode ser negligenciado. Investir energia naquilo que você é potente, relacionar-se com quem agrega e evitar coisas e situações que reforçam pensamentos negativos são atitudes que nos encaminham para o equilíbrio emocional nesse contexto”, aconselha a profissional.

A morte não é o fim

O padre Jocimar Rossio, do Santuário de Caravaggio, também ressalta a importância de se elaborar o luto, o que, no contexto religioso, pode ser realizado através das missas de corpo presente, de 7º e 30º dias. “Nós não somos apenas matéria. A alma sobrevive e vai para a vida eterna e nossa comunhão com aquele que faleceu permanece através da oração. A despedida adequada é importante para entregar a pessoa falecida nas mãos de Deus”, diz o padre, que compreende a importância de todas as restrições sanitárias do momento.
Para ajudar a pessoa em luto, o padre aconselha o contato, mesmo que virtual – e que ele não se resuma ao dia do falecimento: “Ligue para a pessoa, grave um áudio, faça uma chamada de vídeo. Não diga coisas como “Deus quis assim”, “era a hora dele”, não devemos jogar para Deus aquilo que não pertence a Ele. Diga: “vamos rezar juntos”, “conte conosco”. Nós podemos, pelo virtual, ajudar as pessoas com uma palavra boa de esperança”. 
Segundo Rossio, a Palavra de Deus traz a esperança de que a morte não é o fim, de que há um tempo para tudo: tempo de nascer e de morrer, de plantar e de colher. “Três virtudes nos auxiliam: a fé, porque nem tudo compreendemos, mas confiamos; a esperança, para não se desesperar; e o amor, para continuar amando a Deus, ao próximo e a nós mesmos. Mesmo em dificuldade, podemos encontrar sentido nas pessoas que amamos”, encerra o religioso. 
 

Agência funerária estima aumento de 110% nos atendimentos em março. - Pedro Henrique dos Santos
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