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Comunidades e Bairros: A evolução da Linha 80

Um dos moradores mais antigos da comunidade, Idalino Ulian, acompanhou mudanças na religião, nas festas, no clube e na colônia

A Linha 80 está muito diferente. Pelo menos na visão de Idalino Ulian, 77 anos, cujo sobrenome é o mesmo de uma das primeiras famílias que se estabeleceram no local, em 1877. Filho da comunidade, situada a 5km do centro de Flores da Cunha, Ulian cultiva a uva e o vinho, como não poderia deixar de ser. E mesmo com todas as mudanças, ele afirma: “Podem me dar um apartamento de graça em Flores da Cunha que eu não vou. É muito bom morar aqui”.
Em relação às características que foram se modificando com o tempo, uma delas é a religião: a comunidade costumava ter duas igrejas, com dois santos diferentes. O Santo Antônio fora trazido da Itália pelos Stuani, enquanto a Nossa Senhora da Glória pelos Ferrarini, outras das famílias pioneiras no local. “No fim, combinaram de fazer uma só, com os dois juntos. Primeiro a padroeira era Nossa Senhora e agora Santo Antônio”, conta Ulian.
Mesmo com dois santos, a Linha 80 não se livrou de ter o diabo em suas terras, segundo o que diziam os próprios padres da época. O motivo era que, nos dois bares da localidade, os bailes tomavam conta dos domingos. “Um fazia baile de um lado e outro fazia no outro. Isso era mal visto naquela época, o 80 era o cúmulo de Flores da Cunha. Aí começaram a dizer que aqui tinha o diabo”, conta seu Idalino, aos risos. 
A fama diabólica virou uma marca da comunidade, que chegou a estampar o personagem em um carro alegórico na Fenavindima, onde a Linha 80 sempre se fez presente. Seus carros se destacaram tanto que chegaram a desfilar pelas passarelas do samba: “Como nosso carro foi o melhor que tinha aqui, nós fomos até Porto Alegre no desfile de carnaval. Era a história dos bailes. Aqui dava bailes muito bonitos”, comenta.
Seu Idalino fala com propriedade do assunto: ele começou a ajudar nas festas com 13 anos, foi fabriqueiro por cinco vezes e até presidente do Esporte Clube Rui Barbosa, no qual também esteve envolvido na construção. “Dá muito orgulho porque começamos do zero. Todo mundo trabalhou bastante para deixar o clube como está hoje, doavam pinheiro, madeira, tijolos, ninguém cobrava nada, nem os pedreiros. O primeiro pedaço foi 12x20m, hoje tem mais de 2.000m² e mais o campo”, assinala Ulian.
Ele lembra que o clube da Linha 80 era presença certa nos campeonatos municipais de futebol, nos quais conquistou vários troféus, e também de bocha, que não era exatamente a especialidade do Rui Barbosa: “Nesse, a gente sempre ficou no zero”, brinca Idalino. Além dos esportes, o clube ficou conhecido pelo menarosto: “Era o nosso prato principal, dava bastante gente nas festas. Nós até limitávamos o número de ingressos porque não tínhamos garçons o suficiente para atender todo mundo”, lembra.
Outra recordação é a participação da comunidade. Aos domingos, era comum almoçar e ir correndo para o campo a fim de garantir uma camiseta para jogar futebol. “Nós éramos muito unidos. Hoje ninguém mais joga. Os jovens não são mais como no nosso tempo, eles não têm interesse como nós tínhamos. Está parado o clube, terminou o futebol daqui”, lamenta Ulian, preocupado com o futuro do Rui Barbosa, especialmente após a pandemia.

Um futuro regado a vinho
Na vinícola criada por seu Idalino, a Vinhos Ulian, no entanto, são as novas gerações que constroem o futuro. Primeiro, foi o filho, Vilmar, responsável pela elaboração dos vinhos e pela expansão do mercado realizada em 2001. Agora, são os netos, a sommelier profissional Carla e o irmão Eduardo, estudante de Enologia em Bento Gonçalves, que darão continuidade à história da família na vitivinicultura.
História que começou com Idalino, ainda criança, ajudando o pai. “Eu cheguei a trabalhar como torneiro mecânico, mas lá eu não me acertei bem, não tinha jeito de trabalhar fechado. Então, voltei para a colônia e comecei a plantar os parreirais de novo. Não era nem meio hectare, hoje estamos com oito”, conta Ulian.
A ideia de criar uma vinícola surgiu na impossibilidade de vender suas uvas. “Eu tinha Merlot e vendia lá na Monte Reale. O cara me disse: "faz uma pipa, eu te de dou assessoria, te ajudo a fazer o vinho e tudo". Fiz o vinho e saiu de primeira qualidade. Aí começamos a cantina”, relembra Idalino.
O trabalho na colônia hoje é muito diferente. Antigamente, era tudo feito a cavalo e carroça e hoje tudo está mecanizado. Uma mudança para melhor, segundo ele, produzindo um vinho mais elaborado, cuidado com carinho pela terceira geração da família: “Estou muito feliz, é um orgulho porque sempre pensei, quando tive meus netos: a Carla vai administrar a empresa e o Dudu vai fazer enologia. Deu certo”, encerra o fundador, esperançoso com o futuro da vinícola e da família. 

 - Bernardo Barcellos
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