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Da primeira semente ao 40º aniversário

Conheça a trajetória de sucesso do enólogo, sommelier e idealizador da Boscato Vinhos Finos, Clovis Boscato

Em 2023 o Jornal O Florense passa a veicular mensalmente a entrevista Personalidade do Mês, com o objetivo de destacar a trajetória de florenses e paduenses que tanto contribuem para o progresso dos municípios e da região. Para estrear essa novidade, a redação fez uma entrevista exclusiva com o enólogo, sommelier e fundador da Boscato Vinhos Finos, Clovis Roberto Boscato. 
Filho de Aldo Caetano Boscato e Clara Libera Bedin Boscato, Clovis é casado com Ines Gelain Boscato e é pai de Roberta, Giovana e Camila Boscato. Às vésperas de completar seu 72º aniversário, neste domingo, dia 22, e no ano em que a vinícola comemora quatro décadas de atuação, ele conversou conosco sobre sua trajetória de mais de 50 anos no mundo do vinho, compartilhou experiências e suas contribuições para o turismo local, que ganharam forma com a Apromontes e a Associação de Desenvolvimento do Enoturismo – Passo do Vinho. Tendo a qualidade como marca de suas conquistas, ele aconselha futuros empreendedores e dá dicas de como se reinventar. 
Conheça a receita de sucesso de Clovis Roberto Boscato. 

O Florense: Como nasceu sua paixão pelo universo do vinho? 
Clovis Boscato: Nasceu com os meus pais. Quando jovem eu gostava de trabalhar junto com eles na colônia. Eu acompanhava meu pai, que tinha vinhedos. Ele se dedicava muito e também trabalhava para a Companhia Vinícola Riograndense, ajudando a elaborar os vinhos aqui em Nova Pádua – no Travessão Alfredo e no Travessão Curuzu – porque a Riograndense tinha postos onde vinificava e estocava os vinhos. Eu estava sempre junto com meu pai. Na safra, eu observava como se recebia a uva, como eram as fermentações, como fazia as remontagens, como ele preenchia a pipa e acabei gostando disso. Terminando o ginásio fui para os vestibulares, na Escola Técnica de Agricultura e na Escola de Enologia. Passei nos dois, mas preferi ser um técnico em enologia. Foi algo que desde a infância despertava minha atenção. 

OF: Quando e de que forma surgiu a ideia de fundar a própria vinícola?
Boscato: Eu não tinha nenhuma possibilidade, porque meus pais não teriam condições de dar uma quantidade de dinheiro para iniciar a empresa. Eu não tinha nada, então trabalhei na Companhia Vinícola Riograndense. Depois  montei um laboratório na minha casa, em Caxias do Sul, dei assessoria por 17 anos a cinco empresas e trabalhava numa fábrica de tintas também, como formulador de tintas, por 12 anos e meio. Eu ganhava muito bem. Consegui fazer uma boa reserva e achei oportuno tentar montar uma empresa.

OF: Hoje, ao olhar para trás, qual é o sentimento em estar no comando da primeira vinícola a desenvolver vinhos finos na Serra Gaúcha? 
Boscato: Eu me sinto alegre porque se conquistou um mercado. Quando eu iniciei com a vinícola, Flores da Cunha não tinha uma boa imagem. Era associada aos vinhos comuns e eu fui um dos que implantou com força o sistema de condução espaldeira. Fui um dos pioneiros. A Companhia Vinícola Riograndense já tinha, mas dos agricultores eu fui um dos primeiros que introduziu, divulgou, fizemos diversas reuniões com os agricultores até eles aceitarem a ideia. Naquela ocasião, a igreja aqui de Nova Pádua era muito forte e, vendo que a Boscato tinha essa intenção, até o vigário daqui se interessou em chamar os agricultores na igreja para uma conversa. Foi feita uma reunião na vinícola, em 1998. Mostramos qual era o nosso propósito, a nossa proposta, e eles aderiram. Foi uma alegria muito grande e com isso o nome de Flores da Cunha veio junto. A Monte Reale foi crescendo, vieram outras vinícolas, a Venturini, e hoje sinto uma alegria muito grande, porque a cidade se transformou na produção de vinhos. Hoje nos identificamos com vinhos de boa qualidade, então isso me deixa muito feliz, não por ser um dos pioneiros, mas porque Flores da Cunha acompanhou o crescimento de melhorarmos a nossa imagem. Nós tínhamos uma imagem negativa e transformamos em positiva e eu diria mais: ainda hoje nós temos grandes empreendedores em vinícolas nos municípios de Flores da Cunha e Nova Pádua.

OF: Como foi conquistar um mercado consumidor, até então novo na região? Quais foram as primeiras variedades produzidas? 
Boscato: Não era muito fácil introduzir uma firma que não se conhecia, não sabiam onde era Nova Pádua. Dizíamos que era perto de Caxias do Sul e pertencia a Flores da Cunha – Nova Pádua era o segundo distrito de Flores da Cunha. Dávamos a distância de Flores da Cunha a Nova Pádua e com o tempo, sempre falando do bom produto, a empresa começou a conquistar o mercado, de boca em boca. Não foi uma propaganda paga e sim experimentando o vinho. Ela foi muito divulgada e hoje ainda tem esse conceito forte. A marca Boscato tem um peso muito grande em vinhos em nível não só do Rio Grande do Sul. Ela é conhecida em nível de Brasil e exterior, porque nós também estamos colocando vinhos em outros mercados. Então esse trabalho veio através de um bom produto e de consumidores que divulgaram muito o nosso trabalho. 
Os primeiros vinhos foram Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Semillon, que não tem mais no mercado. Eu divulguei bastante o Semillon porque dentro do município de Flores da Cunha havia diversos produtores dessa uva e eu tive a condição de ter esse vinho. Era um vinho muito bom, junto com o Riesling. Com o decorrer do tempo, nós introduzimos a variedade Merlot e eu posso dizer que fui um dos pioneiros a introduzir o Merlot, em quantidade, no mercado. Foi um desafio muito grande, porque tanto Caxias como Bento Gonçalves achavam que eu estava errado. Eu sempre dizia: o Merlot vai ser propenso, é um produto bom, que o consumidor brasileiro vai gostar e ele está se adaptando bem na nossa região, principalmente aqui em Nova Pádua. Eu já sabia, porque o meu pai tinha umas parreiras e o comportamento dessa variedade era muito bom, sempre com uma boa sanidade. Prova disso é que em 2022 a Boscato foi a empresa que mais produziu e colocou no mercado, em nível de Brasil, em quantidade de garrafas.

OF: Neste segmento, qual é o segredo para se reinventar sem perder a essência?
Boscato: Tem que ter equilíbrio. A primeira coisa é a qualidade da matéria prima, parceria com agricultores. Hoje a Boscato produz 25% da matéria prima que utiliza. Fizemos bons parceiros e eles estão ligados à empresa praticamente o ano inteiro. Minha filha, Roberta, dá assessoria a todos esses agricultores, e eles sabem qual é o nosso objetivo: seriedade na elaboração. Boa matéria prima e seriedade para transformar tudo em um produto real. Se for um Merlot, que seja um real Merlot. A Boscato produz hoje 380 mil garrafas/ano. A empresa não quer crescer mais, porque se começa a perder o controle. Se tiver muito volume eu vou perder a qualidade desse volume. Sou muito rígido, eu cobro muito, isso fez com que todo mundo contribuísse para o caminho. Hoje temos empregados há 22 anos aqui dentro.

OF: Quais os principais estados/países consumidores de seus rótulos?
Boscato: Atualmente nós vendemos para a Austrália e para a República Tcheca. O nosso produto é um pouco mais caro, mas esses dois países pagam o preço que nós pedimos. Já são seis anos que trabalhamos com a Austrália. Isso é um bom sinal. Eles dizem que o vinho está evaporando, de tão rápido que sai. Eles já se adiantaram e pediram uns 20 ou 30% a mais, para terem uma reserva.

OF: E as variedades mais vendidas atualmente? 
Boscato: Chardonnay, Riesling, Cabernet, Merlot, Touriga Nacional, Pinot Noir, tudo está indo para lá e eles aceitam todos. O Brasil é um mercado mais restrito. Para vender essa quantidade de garrafas tem que ter uma rede de supermercado boa. Hoje a Boscato trabalha com o Zaffari. Lá eu tenho o consumidor para vinho Boscato. Não adianta ir para outra rede para essa venda porque não é o público. Existe uma competição muito grande com os vinhos importados. O poder aquisitivo faz com que, muitas vezes, o consumidor tome o vinho mais barato. Nós brasileiros também temos uma carga tributária que pesa e isso dificulta muito a nossa venda. Nós sentimos que o importado ainda domina o mercado nacional pelo preço.

OF: Em 2023 o senhor completa 50 anos de enologia. Qual o maior aprendizado destas cinco décadas? 
Boscato: Eu aprendi muito com a Itália, onde tive a oportunidade de visitar grandes empresas que fazem produtos, equipamento. Tive acesso e aprendi muito. Estão me chamando para aprender mais e eu quero aprender mais. Sempre há uma inovação e a inovação fez com que nós crescêssemos. Eu saía daqui de Nova Pádua, embarcava sábado, chegava domingo. Na segunda já estava dentro do laboratório. Eu entrava às 9h da manhã e saía às 20h. Sábado eu pegava o avião e voltava. Não tinha passeio. Eu fiz muito dessas viagens para aprender. Eu vivia dentro de um laboratório experimentando. Novas experiências, novos resultados. 
Participamos também de muitas feiras, aprendi muito dentro do Chile e na França. Eu diria que não foi na Escola de Enologia – a Escola me deu a oportunidade para chegar aonde eu cheguei – mas o maior aprendizado foi, principalmente, nas viagens que eu fazia.

OF: Com o passar dos anos a produção de vinhos tem sido, cada vez mais, associada ao turismo de experiência. Como visualiza o desenvolvimento dessas atividades no município de Nova Pádua, sede da vinícola?
Boscato: Eu diria que não é só Nova Pádua, a região toda sai ganhando. Nós iniciamos em Flores da Cunha e a Associação Altos Montes começou comigo. Eu fui o primeiro presidente há mais de 20 anos. Foi muito difícil, mas hoje está aí a Altos Montes com um belo trabalho e agora surgiu outra rota mais forte ainda, que é o Passo do Vinho. A área de visitação aumentou muito. Hoje são quatro municípios que integram essa rota. Daqui a dois anos Nova Pádua será muito forte na área de turismo e deposito toda a minha confiança que Flores da Cunha está junto. Há 10 anos em Nova Pádua só se pensava em trabalhar na colônia e produzir. Hoje quem foi para a cidade como empregado sente as dificuldades. O turismo está crescendo muito. Temos pela frente muitos percalços. Ainda não temos uma boa oferta de estadia, mas temos oportunidade de oferecer boa alimentação, porque Nova Pádua já se expandiu muito. Nos finais de semana é uma quantidade muito grande de público, diversificado. E há muita coisa se preparando, tanto no município de Nova Pádua como em Flores da Cunha. Em Nova Pádua há crescimento de muitas pousadas. Assim conseguimos fixar o turista mais tempo aqui. Temos a paisagem pronta, agora está faltando a nossa parte. Temos que fazer com que o turista seja bem recebido, mostrando as nossas atitudes, qualidades, ser quem nós somos e não mais, porque o visitante quer saber, quer sentir como nós somos. Falamos de vez em quando o dialeto, isso é importante. É uma experiência e eles querem conhecer essa experiência. 

OF: De que forma a Boscato vem se preparando para proporcionar um atendimento de excelência aos visitantes?
Boscato: Nós temos muitas dificuldades. Uma empresa pequena preocupada em como atender o turista. O turista quer conhecer o dono, quer conversar com o dono. Tem que estar à disposição, por mais que se ache que não tem valor nenhum. Tem que ser simples e humilde. Ele sai daqui satisfeito. Então a nossa preocupação é ‘como é que nós vamos fazer isso?’: quem tem que fazer isso somos eu e a Roberta. Nós temos em nossos vinhedos um quiosque, que está sendo muito procurado. Temos tantas ideias, mas quem é que vai cuidar? Não adianta botar por botar. Tenho que ter qualidade lá como tenho aqui dentro da vinícola. Tenho que confiar que aquela pessoa que está lá vai fazer o importante. Eu estaria pronto para muitas coisas, mas temos que ter uma equipe qualificada. Temos uma sala de análise sensorial aqui, mas eu não quero só aqui, quero lá nos vinhedos também. Quero que quem esteja degustando veja todos os parreirais, as variedades. Então o visitante vai querer comer lá, aí temos que ter restaurante; se ele quiser ficar mais tempo, temos que ter hotel. Quem implantar isso vai se dar bem, mas tem que ter uma estrutura de equipe. Estamos preocupados em montar alguma coisa. Se não tudo, uma boa parte. Agora vai ter o asfaltamento da nossa área, estamos providenciando o acesso interno. Temos muitas ideias e tudo isso está sendo avaliado porque há diversas opiniões. 

OF: Que legado gostaria de deixar para os seus? 
Boscato: Tudo aquilo que eu me propus e outros copiaram me deixa feliz. Alguns fizeram melhor que eu e fico feliz por isso. Sinto orgulho que cresceu e está evoluindo. Muitas experiências, muitos espelhos tentam fazer um vinho como a Boscato. O próprio distribuidor de vinhos diz: faça um vinho igual à Boscato. O produtor sai com aquela ideia, se esforçando. Isso para mim é muito gratificante.

 - Karine Bergozza  - Karine Bergozza  - Karine Bergozza
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