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Descobrir a eficiência na deficiência

Este é o principal objetivo dos profissionais que atuam na Apae, em Flores da Cunha

Luciane Verdi Stuani, 52 anos, e Fernanda Vizentin, 45, tem muitas coisas em comum. As duas são formadas em Pedagogia, amam a profissão e fazem parte do quadro de professores da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Flores da Cunha (Apae). O dia a dia, para elas, vai muito além da tradicional gramática das salas de aulas, as obriga a pensar em alternativas diferentes para trabalhar com alunos especiais. 
“O desafio maior é saber que temos que ver o tempo deles e não o nosso e tem que descobrir, de alguma forma, o potencial que eles têm, porque especial todo o aluno é”, explica Luciane, que atua na entidade há mais de 30 anos. A pedagoga, com especialização em psicopedagogia escolar e clínica, conta que o processo de inclusão e aceitação das pessoas com deficiência mudou muito ao longo dos anos. Segundo ela, hoje, os alunos têm um acompanhamento na área da saúde – com fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional – mas, possivelmente, eles não irão para uma sala de aula da Apae, inicialmente tentarão uma escola regular. 
“Hoje tudo está mais aberto, mas o maior desafio é que as pessoas tenham a formação do coração, a capacidade de entender que mesmo esses alunos estando em uma escola regular, eles não vão conseguir acompanhar tudo o que está lá”, frisa Luciane, que acredita ser fundamental perceber até onde cada aluno pode ir e o que é essencial para vida dele, uma tarefa nada fácil para os professores. Ao mesmo tempo, seria interessante que eles pudessem sair com amigos, participar de grupos, como de escoteiros, e que as famílias incentivassem para que eles pudessem ser vistos e terem mais autonomia.  
Para que isso aconteça, a pedagoga defende a importância de estimular a autoestima dos alunos, para que eles se sintam importantes, amados, e o principal: que se sintam acolhidos, olhados, ouvidos e respeitados. Afinal, toda pessoa merece respeito. “Às vezes eu penso que o trabalho de um professor é pequeno, mas temos que, de alguma maneira, fazer a diferença na vida deles, acolhendo ou desafiando. E o retorno que eles nos dão, o pequeno progresso que descobrimos ou que os pais contam, essa é a diferença que percebemos. O amor não exige que façamos algo extraordinário, mas reúne todas as pequenas coisas que fazemos, todos os dias”, finaliza Luciane.
Amor incondicional compartilhado por Fernanda, que atua na Apae há 14 anos. “Eu não me vejo diferente das outras profes por trabalhar aqui, eu já trabalhei em escolas de educação infantil, com séries iniciais, com primeiro ano do Ensino Médio, mas, me achei aqui”, destaca a pedagoga que possui pós-graduação em educação especial. 
Fernanda atua na parte da coordenação motora para que os alunos possam ter uma melhor qualidade de vida. Ela ajuda na execução dos movimentos, na mobilidade, no caminhar, no segurar, na força da mão, entre outras tarefas. “É uma experiência que está dando certo, porque eu estou conseguindo manter o foco deles naquela atividade. Eu fico pouco tempo na sala de aula, vou para a biblioteca, pátio, horta e, na terça-feira, temos o dia da integração com outras turmas. Além disso, eles têm educação física e artes”, empolga-se a professora, que também atua junto à Apae de Caxias do Sul, no turno da manhã. 
Nesse processo de ensinar e aprender brincando, de forma divertida, a profissional diz se sentir animada com o progresso dos alunos que, pode parecer pequeno, mas, para eles significa muito. “Eu me sinto satisfeita porque aquela atividade, que parecia tão simples para mim, fez uma diferença enorme para eles. Isso é um sinal que o trabalho está dando certo e não estamos fazendo por fazer”, orgulha-se.
Em relação à inclusão, ela concorda que seja válida, mas, pondera que cada caso é único, por isso se deve tomar cuidado para que, talvez, uma expectativa dos pais acabe causando frustração ou sofrimento nos filhos. “Eu penso que a inclusão tem duas faces, que não é assim, que nem sempre todos têm que ir para uma escola regular. Legal seria se todo mundo pudesse ir e se as escolas e as profes estivessem preparadas para receber, mas sabemos que não é assim no nosso país”, reflete Fernanda, ao mesmo tempo em que reforça o papel da Apae nesse processo, onde muitos alunos chegam com histórico de brigas e na entidade são acolhidos e tratados de forma diferente. 
“As escolas precisam focar em turmas maiores, então como é que a professora vai ficar com 30 alunos em uma sala de aula e dar mais atenção para aquela outra pessoa que está ali e precisa 100% dela? Por isso, esse meu trabalho é mais direcionado, eu tenho apenas duas classes na sala, aí eu consigo individualizar os atendimentos”, contextualiza. 
Atualmente a Apae atende em torno de 90 alunos, desde crianças até adultos com mais de 50 anos. A pedagoga explica que o diferencial é que a entidade vai adaptando as turmas conforme o progresso dos alunos, não por idade. Os adultos, por sua vez, podem contar com o grupo de convivência que oferece atividades, monitora que faz brincadeiras, educação física, artes e informática. Afinal “Quem é apaeano uma vez na vida, vai ser eternamente”, conclui Fernanda.

A superação nos pequenos (grandes) detalhes
Evelin Rodrigues, de seis anos, é uma menina que, como tantas outras, adora assistir desenhos animados. Entre seus favoritos estão: a Galinha Pintadinha, o Patati Patatá e a Peppa Pig. Outra paixão é brincar com ursos, bonecas e interagir com crianças, especialmente suas primas. 
A filha da dona de casa Fabiela Marcante, de 31 anos, e do marmorista Elder Rodrigues De Paula, de 33 anos, nasceu prematura, aos seis meses, por conta de um descolamento de placenta, chamado de Leucomalácia da Prematuridade. As sequelas apareceram um mês e meio depois do nascimento, com uma hemorragia intracraniana, foi quando os pais souberam que o caso dela seria grave.
“Em um primeiro momento foi um choque, mas nosso pensamento era de levar ela logo para casa, porque era uma prematura extrema, nasceu pesando 800gr, e queríamos a segurança de tê-la conosco, do jeito que fosse. Não pensávamos em sequelas e isso não foi um problema, aceitamos desde o início. É uma criança que nos faz feliz de qualquer forma e eu não trocaria ela por criança nenhuma no mundo”, conta, emocionada, Fabiela. 
Evelin e Fabiela certamente já cruzaram, ou até foram atendidas pelas professoras Luciane e Fernanda. É que a pequena participa da hidro e da Terapia Ocupacional – Teo, que são oferecidas pela Apae, uma vez por semana. Já a parte da fisioterapia é realizada em outro local, para melhor atender às necessidades de Evelin. “Focamos na especialidade da parte neurológica, da reabilitação, que é com o Método Bobath, uma estimulação, que é o que ela precisa para o problema da prematuridade”, explica a mãe. 
Por conta da pandemia, a pequena que adora coques de bailarina, teve que adiar o início às aulas, mas, Fabiela sabe da importância desse convívio para a filha e pretende buscar alternativas a partir do próximo ano. “Nem que seja uma horinha por dia, eu acho que ia fazer bem para ela e para as outras crianças também terem a percepção de que ela é uma criança diferente, mas é como as outras. Ela tem as limitações, mas gosta de brincar, de passear, tem a mesma percepção que eles, só tem dificuldades, mas é igual aos outros”, reflete.
Um desafio apontado pela família tem sido em relação à locomoção, uma vez que a cadeira utilizada por Evelin trepida bastante e não possui amortecedor. Eles precisam trocar para oferecer uma melhor qualidade de vida à menina. “Para ir em um parquinho, também é difícil porque não vai ter asfalto por tudo e ela precisa dessa inclusão para sair, para ir à praia. Tem vezes que eu tiro ela da cadeira e levo no colo, que é mais fácil”, evidencia Fabiela, ao mesmo tempo em que relata que um dos principais problemas encontrados no dia a dia é em relação à acessibilidade. 
“Muitas vezes entramos em uma farmácia, por exemplo, e não tem nenhuma rampa. Os corredores são estreitos e não conseguimos passar com o carrinho, com o próprio carrinho de bebê eu já tive dificuldade. Outro caso são as vagas de estacionamento, até hoje eu tenho muita dificuldade em estacionar porque as pessoas não respeitam vaga para deficiente. Falta um pouco de noção. Eu já tive que estacionar mais de duas quadras longe e vir a pé com ela no colo, com chuva, porque tinha quem não precisava na vaga”, frisa a dona de casa, ao mesmo tempo em que provoca uma reflexão sobre o comportamento social.
Outra luta diária destacada por ela é a de lidar com o preconceito que, mesmo disfarçado, existe. “As pessoas ainda olham com bastante preconceito, acham que porque a criança tem uma dificuldade é doente, mas não é. Ela só tem uma dificuldade, não quer dizer que a pessoa seja doente, ou então olham para ela com pena, mas não precisa, porque eles são muito fortes. Na verdade, temos que nos espelhar neles, porque se tivermos eles como exemplo, talvez, conseguíssemos superar muitas coisas que não conseguimos. Às vezes nos queixamos por uma bobagem, por problemas tão pequenos, e eles conseguem superar coisas tão grandes”, finaliza. 

Luciane Verdi Stuani acompanha os alunos da Apae e defende que, sendo professora, todo dia é um desafio.  - Karine Bergozza
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