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Entrevista: “Estou atordoado e com muito medo”

Em entrevista exclusiva, vítima de sequestro em Flores da Cunha conta o que passou nas mãos de bandidos no início da manhã de quarta-feira. No mesmo dia, jovem foi encontrado morto com dois tiros distante 300 metros de onde o idoso de 69 anos estava acorrentado a uma árvore. Polícia Civil investiga relação entre os crimes

Dois assaltos, um sequestro e um homicídio. Estas foram as ocorrências policiais que marcaram a primeira semana de dezembro em Flores da Cunha. O caso de maior repercussão foi o do sequestro de um idoso de 69 anos na localidade de Lagoa Bela (confira abaixo a entrevista exclusiva), ocorrido na última quarta-feira, dia 5 de dezembro. O setor de Inteligência da Brigada Militar (BM) na região (a chamada P2 do Comando Regional de Policiamento Ostensivo, o CRPO; e do 36º Batalhão de Polícia Militar, o 36º BPM) acompanhou o desenrolar do crime, agora investigado pela Polícia Civil.

Às 4h15min de quarta-feira um trio armado e encapuzado invadiu uma granja na Lagoa Bela. O caseiro, de 55 anos, foi surpreendido pelos ladrões no interior da residência enquanto dormia. A vítima foi amarrada e amordaçada. O grupo permaneceu na casa até as 7h, quando levou o idoso de 69 anos, que chegava à propriedade de bicicleta. A vítima foi levada no Chevette roubado do caseiro, placas IHR-9264, e deixado acorrentado a uma árvore próxima à ponte sobre o Rio das Antas, no limite de Flores da Cunha com Antônio Prado, às margens do Km 109 da ERS-122. O carro foi encontrado mais tarde, abandonado na estrada de acesso ao Travessão Sete de Setembro.

Do caseiro também foram roubados R$ 2 mil, um telefone celular e uma espingarda calibre 36. Segundo informações repassadas pela Polícia Civil, Brigada e vítima, os supostos sequestradores, que teriam a informação de que haveria dinheiro na granja, pediram um resgate de R$ 50 mil. O anúncio fora feito pelos bandidos à filha da vítima, por telefone – ela ligou para tentar falar com o pai. Perto das 9h30min de quarta-feira o idoso foi localizado. Antes, às 8h, o caseiro conseguiu se soltar das amarras e ligar para a BM, informando sobre o crime.

O Corpo de Bombeiros foi acionado para ajudar no resgate, visto que a vítima estava acorrentada. O idoso foi levado para o Hospital Fátima para verificações de rotina e, posteriormente, ficou em contato com a BM – esta com a tentativa de identificar os bandidos. Porém, o vazamento de informações para a imprensa teria prejudicado a provável prisão dos sequestradores. A delegada interina de Flores da Cunha, Maria Isabel Zerman (titular de Antônio Prado; a delegada florense Aline Martinelli está em férias), teve apoio na ocorrência do delegado Ives Trindade, da Delegacia de Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas (Defrec) de Caxias do Sul. Maria Isabel tenta agora, por meio de depoimentos, buscar informações que possam esclarecer o crime.

Homicídio
O primeiro caso violento da semana em Flores da Cunha ocorreu por volta das 23h do dia 4, na Linha 100. Três homens encapuzados e armados com pistolas e com uma espingarda calibre 12 atacaram uma chácara. Os criminosos renderam dois casais que estavam na residência e roubaram uma espingarda calibre 32, um telefone celular e uma pequena quantia em dinheiro.

A sequência de crimes pelo interior de Flores da Cunha culminou com a localização de um rapaz morto a tiros, próximo à ponte de ferro às margens da estrada de chão que liga Flores da Cunha a São Marcos. O corpo estava a cerca de 300 metros de onde o idoso foi encontrado acorrentado. A polícia suspeita que a vítima possa ter ligação com o trio que agiu na Lagoa Bela. O jovem, de aparentemente 25 anos, foi encontrado com um tiro na nuca e outro nas costas e sem documentos. Até o fechamento desta edição, às 22h de ontem, o corpo seguia sem identificação no Departamento Médico Legal (DML) de Caxias do Sul.

“Pensei que não iria aguentar. É a pior coisa que se pode passar”
Confira os principais trechos da entrevista exclusiva concedida pelo idoso de 69 anos vítima de sequestro em Flores da Cunha. Ele pediu para ter a identidade preservada.

O Florense: Em que momento o senhor foi rendido?
Vítima: Eu cheguei na granja por volta das 6h30min, abri o portão e fui até a casa onde mora o caseiro. Quando cheguei perto, dois homens armados de revólver me renderam. Pediram para entrar no carro e disseram que iriam me sequestrar. Ainda brincaram comigo dizendo que fui trabalhar de bicicleta para economizar, e que eu gastaria R$ 50 mil no resgate.

O Florense: Em algum momento eles agrediram o senhor?
Vítima: Não, apenas cobriram a minha cabeça com uma touca e me colocaram deitado no banco traseiro do carro. Disseram que iriam para Porto Alegre.

O Florense: O senhor percebeu que eles poderiam ter tomado outro caminho?

Vítima: Sim, notei que manobraram o veículo e logo adiante entraram numa estrada de chão. O carro pulava muito. Imaginei que não era em direção a Porto Alegre.

O Florense: O que aconteceu quando chegaram ao matagal?
Vítima: Um deles perguntou: “Esta estrada vai até aonde?”. “Vai só até o rio”, respondeu outro bandido. O mais velho não falou o tempo todo. Acho que tinha medo de eu reconhecer a voz. Tive de caminhar no meio do mato, cheio de espinhos e pedras, e com a touca na cabeça. Disseram que se não conseguissem o dinheiro iriam me jogar no rio. Foi muito ruim.

O Florense: Qual foi o pior momento destas duas horas e meia que o senhor ficou como refém?
Vítima
: Foi quando me deixaram acorrentado a uma árvore, com a corrente no pescoço e as mãos amarradas. Também fiquei com uma mordaça na boca. Pensei que não iria aguentar. É a pior coisa que se pode passar.

O Florense: Como foi que o senhor conseguiu se soltar?
Vítima
: Aos poucos consegui desfazer os nós da corda das mãos e tirei a mordaça da boca. Daí, comecei a gritar. Cheguei a ficar quase sem voz, foram quase duas horas gritando. Peguei um galho da árvore, acho que era um pé de ameixeira, e masquei, pois estava com a boca seca de tanto gritar.

O Florense: Quem foi que socorreu o senhor?
Vítima
: Dois homens ouviram os gritos e vieram ver. Quando chegaram perto ficaram com medo e voltaram. Foram avisar a polícia.

O Florense: O que o senhor pensou naquele momento?
Vítima
: Deus me deu a graça de me desamarrar e tirar o pano da boca. Senão, como conseguiria gritar?

O Florense: Como tem sido sua rotina depois do fato?
Vítima: Quase não dormi a noite passada. Estou atordoado e com muito medo. Depois de 40 anos não tenho coragem de voltar para lá, pelo menos por enquanto.



Jovem provavelmente executado permanecia sem identificação no DML até a noite de quinta. - NaHora/Antonio Coloda
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