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Um ato para salvar muitas vidas

Na terça-feira, dia 27 de setembro, foi comemorado o Dia Nacional da Doação de Órgãos e Tecidos. No Rio Grande do Sul, mais de 2,6 mil pessoas aguardam um transplante

A população de um município de pequeno porte, como Nova Pádua. Essa é a quantidade de pessoas em lista de espera, somente no Rio Grande do Sul, para receber um transplante: 2,6 mil. No Brasil, são mais de 48 mil pessoas à espera da notícia e o número de doadores, a cada ano, é mais baixo, conforme a Associação Brasileira de Transplantados. 
Antes da pandemia da Covid-19, a cada um milhão de brasileiros, 18 eram doadores. Com a questão do vírus, o índice caiu para 16 doadores por milhão na população, e isso fez aumentar ainda mais a fila de pessoas que esperam pelo gesto que pode garantir a vida. 
Segundo o Ministério da Saúde, foram realizados 9.235 transplantes de órgãos em 2019. As cirurgias, nos dois anos posteriores, no entanto, também foram afetadas pelo vírus. Em 2020, foram 7.453 transplantes, e, no ano passado, 7.425.
Conforme a Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos (Adote), o estudo científico mais recente publicado mostrou que o total de transplantados no mundo caiu 16% em consequência da pandemia. O Brasil teve redução de 29%. De acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), o principal motivo do declínio nesse período tem relação com o aumento de 44% na taxa de contraindicação, em virtude do risco de transmissão do coronavírus ou pela dificuldade encontrada para realizar a testagem em alguns momentos durante a pandemia. Mas, outros motivos estão nessa lista de não doação, principalmente a negativa familiar. 
É o que mostram os dados do Rio Grande do Sul: de janeiro a julho, o estado recebeu 422 notificações de morte encefálica (ME). Desses, 117 eram doadores efetivos. Dos 305 restantes, 133 não se tornaram doadores por negativa da família. Entre outras causas estão: a contraindicação médica, o diagnóstico de ME não confirmada e parada cardiorrespiratória.
E todas essas questões fazem as pessoas que necessitam esperarem por longos anos, estes tentando sobreviver. 
É o caso da paduense Rosane Lusa, 41 anos. A espera foi de um ano, mas a batalha contra a diabetes vem desde muito pequena. “Eu sou diabética e minha família descobriu quando eu tinha 1 ano e três meses de vida. Na verdade, há 40 anos, não era descoberto com pouco tempo de vida, então precisou de alguns meses e muitos exames. E, desde então, até agora, tenho que ficar aplicando insulina”, conta a professora formada em Artes Plástica e pós-graduada em música e musicalidade. 
“Eu sempre pensei assim, que se um dia eu precisasse de um transplante, eu ia fazer, bem tranquilo, mas eu pedia sempre para Deus que me desse muita fé, muita força e muita coragem. Mas, mais força e coragem, porque fé eu sempre tive. Então nunca vi problemas, eu acreditei que ia dar certo”, fala, entusiasmada sobre sua condição.
Aos 20 anos de idade, Rosane começou a tratar dos rins. Com o passar do tempo, o órgão começou a perder função, cada vez mais, e, em 17 de julho de 2017, a professora precisou se afastar do trabalho para cuidar da sua saúde com mais afinco. “Tive que parar com o meu trabalho e, até mesmo, de ajudar em casa, fazia muito pouco, para conseguir enfrentar a hemodiálise. Foi 1 ano e 3 meses. E, em 30 de outubro de 2018 recebi a ligação de que um órgão estava me esperando. Naquele dia chegou mais uma vida, a continuidade da minha vida, mais uma felicidade para eu viver mais”, relembra, com os olhos cheios d'água.
Até então Rosane estava à espera de um rim em Caxias do Sul, e conhecendo melhor as enfermeiras e colegas da hemodiálise, ela recebeu um incentivo para procurar a Santa Casa de Porto Alegre. “Eu pensei que indo lá eu tinha mais probabilidade, por mais que a fila seja única, tem mais órgãos, porque também tem a ver com a equipe que vai captar o órgão. Se a equipe não tem condições, ela não capta, e quem precisa do órgão fica esperando o receptor. Então eu fui, levei todos os papeis, os exames, e fiz mais uma bateria de exames”, conta Rosane que, de início, queria fazer um transplante duplo para corrigir todos os problemas: de rim e pâncreas, devido a diabetes. “O doutor disse que transplante duplo não seria muito recomendado, porque um dos órgãos poderia ser rejeitado. Mas ele me pediu se resolvendo o problema da hemodiálise já não seria uma grande ajuda. Daí falei que sim”. 
E apenas oito dias depois da conversa com seu médico, em Porto Alegre, Rosane ouviu seu telefone tocar com o código 51. “De início pensei que ia ser telemarketing, mas, atendi. Era uma pessoa super jovem, uma moça, falando: ‘Oi Rosane, tudo bom? Aqui é a Dra. de Porto Alegre. Temos um rim de uma senhora de 53 anos que faleceu com uma pancada na cabeça. Tu vai querer esse rim?’. Eu nunca vou esquecer dessas palavras. Daí perguntei quanto ele estava funcionando e o valor da creatinina, e ela me disse que ele funcionava 0,6. É obvio que queria aquele rim”, lembra-se, acrescentando que, imediatamente, desligou o telefone e arrumou a mala para se deslocar até Porto Alegre para, ainda no mesmo dia, fazer o transplante. 
Eram 23h30min quando Rosane entrou no bloco cirúrgico, e 1h40min do dia seguinte já estava na CTI, com uma nova chance para dar continuidade a sua vida. Com todos os cuidados necessários, Rosane, após a cirurgia, precisou tomar corticoides e esses vão lhe acompanhar pelo restante dos dias, juntamente com a insulina e imunossupressores.
A professora relata que o rim é um órgão que pode ser doado em vida, mas a compatibilidade de Rosane com seus familiares era apenas com o pai, que também possui diabetes e, por conta disso, não pode realizar a doação, sendo assim, ela precisou entrar na fila.Completando quatro anos de transplante, agora, em outubro, Rosane comemora dois aniversários. “Como meu rim veio de uma pessoa que foi a óbito, eu não sei quem é a família dela, não sei quem é essa pessoa, mas eu sou muito grata. Em primeiro lugar à pessoa que disse sim à doação dos órgãos e, em segundo lugar, a família, porque você vê ali uma pessoa querida falecida, e dizer sim para a doação dos órgãos, nesse momento de dor, não é pra qualquer um, tem que ser muito forte, tem que pensar no próximo, tem que pensar que existe vidas próximas, que elas precisam viver mais e mais felizes e tem que querer doar, e você só vai dizer sim se você se colocar no lugar do próximo e se você tiver paixão à vida, a sua vida e a vida do próximo”, finaliza, agradecendo a Deus, a família, a doadora e a família dela, e toda a equipe médica que a acompanha antes e após o transplante.

Tire suas dúvidas

Quais são os tipos de doadores?
Existem dois tipos de doadores de órgãos, o doador em vida e o doador após ser diagnosticado com morte encefálica.
Doador em vida: Precisa ser uma pessoa em boas condições de saúde, estar em condições de doar o órgão ou tecido sem comprometer a sua própria saúde e aptidões vitais. O candidato a doador deverá realizar uma avaliação médica para afastar a possibilidade de doenças que comprometam sua saúde ou do receptor. Além disso, deve ser uma pessoa juridicamente capaz, pois a doação só pode ser feita com autorização judicial.
Doador pós-morte encefálica: A morte encefálica é definida como “morte baseada na ausência de todas as funções neurológicas”, ou seja, é permanente, é irreversível. Após diagnosticada com morte encefálica a pessoa não tem mais como “reviver” e, assim, todos os outros órgãos ainda funcionam, possibilitando a doação. A morte encefálica só ocorre e é diagnosticada em pacientes hospitalizados que estejam respirando com ajuda de aparelhos (ou seja, pessoas que morrem fora do hospital não se enquadram nesse tipo de doação).

Quem não pode ser um doador?
Pacientes com diagnóstico de tumores malignos (com algumas exceções), doença infecciosa grave aguda ou algumas doenças infecto-contagiosas. Existem outras condições que impedem a doação de órgãos, cuja decisão é feita de maneira muito cuidadosa pelas equipes de transplante.

Quais órgãos e tecidos podem ser doados?
O doador vivo pode doar um Rim, Medula Óssea (se compatível, feita por meio de aspiração óssea ou coleta de sangue); parte do fígado (em torno de 70%) e parte do pulmão (em situações excepcionais).
Já um único doador falecido pode salvas mais de oito vidas, podendo doar: coração, pulmão, fígado, rins, pâncreas, córneas, intestino, pele, ossos e válvulas cardíacas.

Quem recebe os órgãos?
Após efetivada a doação, a Central de Transplantes do Estado é comunicada e, através do seu registro de lista de espera, são selecionados os receptores mais compatíveis.

Fonte: Associação Brasileira de Transplante de Órgãos 
 

Rosane Lusa relembra sua trajetória de exames e consultas antes e após o transplante de rim. - Gabriela Fiorio
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