Saúde

Suicídio: precisamos falar sobre isso

Setembro Amarelo é o mês dedicado à valorização da saúde mental e médico florense destaca a importância do diálogo para salvar vidas

Não é frescura ou drama, tampouco uma necessidade de chamar a atenção e, muito menos, falta do que fazer. Saúde mental é um tema para ser tratado com seriedade e responsabilidade, se despindo de preconceitos e abraçando as diferenças e dificuldades de cada um. 
Uma necessidade cada vez mais urgente, uma vez que, após a pandemia, os diagnósticos de depressão – uma das principias doenças que levam ao suicídio – cresceram 41% no Brasil, conforme levantamento realizado pela Vital Strategies e pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Intitulada como Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia), a pesquisa foi divulgada em abril de 2022. 
O relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) também apontou o suicídio como uma das principais causas de mortalidade em todo o mundo, na frente de doenças como HIV, malária, câncer de mama, e até mesmo de homicídios. Os dados mostram que uma em cada 100 mortes no planeta é por esse fator. Além disso, para cada pessoa que tira a própria vida, houve outras 100 tentativas, 1 a cada 40 segundos. 
Outro dado que chama a atenção é o disponibilizado por um grupo de pesquisadores da UFRGS, do Hospital de Clínicas e da Unisinos, que analisou as taxas de suicídio no Brasil antes e durante a pandemia de Covid-19, a partir de dados do Sistema Único de Saúde (SUS). A pesquisa mostra que houve estabilidade no número de pessoas que tiraram a própria vida, como um todo, porém, os casos cresceram entre grupos considerados mais vulneráveis, como mulheres, negros e idosos, refletindo as desigualdades socioeconômicas. Só na região Sul o aumento da taxa de suicídio entre a população negra chegou a 30%.
Atualmente, segundo levantamento da Unicamp divulgado pelo site da campanha Setembro Amarelo, 17% dos brasileiros, em algum momento, já pensaram em dar fim à própria vida e, desses, 4,8% chegaram a elaborar um plano para isso.
Justamente com o objetivo de conscientizar e sensibilizar as pessoas acerca da importância de falar sobre o tema suicídio, em 2015 o Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), estabeleceram o dia 10 de setembro como Dia Mundial de Prevenção do Suicídio e o nono mês do ano como Setembro Amarelo. 
Para marcar a data e sanar eventuais dúvidas sobre como manter a saúde mental e zelar pela qualidade de vida, distanciando-se da depressão e pensamentos suicidas, o Jornal O Florense conversou com o médico Psiquiatra, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Ciências do Comportamento (UFRGS) e professor adjunto da Neuropsiquiatria (UCS), Júlio César Bebber. Confira a entrevista completa. 

O Florense: Qual a importância de falar sobre suicídio e saúde mental, levando em consideração que o tema ainda é visto como tabu?
Dr. Júlio César Bebber: Saúde mental e suicídio ainda são considerados tabus dentro da nossa sociedade, no entanto, inciativas públicas recentes têm auxiliado na redução desse estigma. Não podemos deixar de falar sobre um problema tão relevante a nível de saúde pública. Os dados divulgados são alarmantes e demonstram que, no Brasil, em média, ocorrem 14 mil casos de suicídio por ano, ou seja, cerca de 38 pessoas tiram a própria vida ao dia. O Setembro Amarelo surgiu como uma forma de divulgar esse tema, além de sensibilizar e conscientizar a população a falar sobre saúde mental. 

OF: Quais atitudes/comportamentos podem indicar que uma pessoa está precisando de ajuda?  
Bebber: O suicídio está fortemente ligado aos problemas de saúde mental, entre eles: depressão, transtorno bipolar, alcoolismo, abuso e/ou dependência de outras drogas, transtornos de personalidade e esquizofrenia. 
É importante que pessoas próximas estejam atentas para mudanças de hábitos e comportamentos, tais como: isolamento, perda de interesse por atividades que antes eram prazerosas, queda no desempenho profissional ou escolar, descuido com a aparência, alterações no apetite ou no sono, falas com conteúdo depreciativo e relacionadas a morte (“eu preferia estar morto”, “o mundo seria melhor sem a minha presença”, “a vida não faz sentido”). A ajuda pode vir de qualquer pessoa próxima, seja de um familiar, amigos, colegas de trabalho, vizinhos, professores.

OF: O que os familiares, amigos e pessoas próximas podem fazer para auxiliar?
Bebber: Falar sobre suicídio pode trazer um alívio a quem está com esses pensamentos desagradáveis. Oferecer ajuda e demonstrar disponibilidade por meio de um diálogo empático e compreensivo é fundamental. Além disso, é essencial que ao identificar pensamentos suicidas, familiares, amigos e pessoas próximas auxiliem na busca por um atendimento médico com urgência. 

OF: Quais as principais formas de prevenção ao suicídio? 
Bebber: A medida preventiva mais eficaz é a informação à população, principalmente pela quebra do estigma e do preconceito que envolve esse tema. Identificar as mudanças mencionadas anteriormente e a busca rápida por auxílio em um serviço de saúde são aspectos de extrema relevância na prevenção do suicídio.

OF: As principais causas de suicídio estão relacionadas à transtornos psiquiátricos, como a depressão? Como diferenciar esses transtornos de uma tristeza e um sentimento de inquietação que, de certa forma, são comuns no dia a dia? 
Bebber: Mais de 90% dos casos de suicídio estão relacionados à problemas de saúde mental, destaca-se a depressão, em primeiro lugar, seguida do transtorno bipolar e do abuso de substâncias como álcool e drogas.
Algumas situações do nosso dia a dia podem gerar sentimentos momentâneos de tristeza e ansiedade. Diante disso, é importante estar atento na duração, na intensidade e no dano causado por esses sintomas. Penso que o prejuízo nas relações familiares, sociais e profissionais (ou escolares) é o fator-chave, que deve estimular a busca por um atendimento psiquiátrico ou psicológico.

OF: Quais outras causas costumam levar as pessoas a tirarem a própria vida? Entre elas podem estar questões associadas a problemas econômicos, por exemplo?
Bebber: Destaco como os principais fatores de risco a presença de uma doença psiquiátrica, assim como a existência de uma tentativa de suicídio no passado.
Além disso, existem alguns fatores conhecidos que aumentam o risco, tais como: perdas recentes, impulsividade, desesperança, doenças crônicas e debilitantes, dor crônica, eventos traumáticos na infância e adolescência, desemprego, solidão, acesso facilitado a meios letais e histórico de tentativa ou morte por suicídio na família.

OF: Algumas pesquisas apontam que o número de pessoas que pensaram em suicídio aumentou com a pandemia. Do ponto de vista médico, como a Covid-19 pode ser associada a esse cenário?
Bebber: Um estudo recente, que reuniu pesquisadores de algumas universidades (UFRGS, UnB e Unisinos), investigou se esse período de medo, ansiedade e isolamento, gerado pela pandemia, interferiu no número de suicídios. Os resultados iniciais demonstram que houve uma estabilidade no número de pessoas que tiraram a própria vida ao longo desse período. Contudo, ao analisar grupos específicos, percebeu-se que houve um aumento em mulheres, negros e idosos. Isso pode indicar que alguns grupos foram mais prejudicados no período da pandemia, principalmente pela dificuldade de acesso à informação e nos serviços de saúde, bem como problemas socioeconômicos e aumento das taxas de violência doméstica.

OF: Quando é hora de buscar ajuda? Onde buscá-la?
Bebber: Pensar em tirar a própria vida é uma experiência muito perturbadora e que faz parte de um sofrimento psicológico extremamente relevante. É importante que as pessoas que estejam passando por momentos difíceis e de crise emocional busquem ajuda. Problemas de saúde mental não tratados ou tratados incorretamente, principalmente a depressão, são fatores de risco importantes a serem considerados.
Pessoas com pensamentos suicidas devem ser avaliadas com urgência por profissionais especializados em saúde mental – psiquiatras ou psicólogos –, os quais poderão dar seguimento e orientar os próximos passos do tratamento. O auxílio pode ser buscado diretamente em um consultório, com um profissional da área; em uma Unidade Básica de Saúde (UBS); nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), ou no pronto atendimento local.

OF: Um dos canais de auxílio é o Centro de Valorização da Vida (CVV). Qual a importância dele e do diálogo na prevenção ao suicídio? 
Bebber: O CVV presta serviço, voluntário e gratuito, de apoio emocional e escuta as pessoas que estejam enfrentando dificuldades e pensando em tirar a própria vida. O atendimento é realizado por voluntários e a conversa se dá sob total sigilo e anonimato. O contato pode ser feito pelo telefone 188 (24h e sem custo), pessoalmente (em Caxias do Sul – Rua Feijó Júnior, 269, São Pelegrino), pelo site (www.cvv.org.br), por chat ou por e-mail. 
A pessoa que está com pensamentos suicidas é incapaz de ver uma saída diferente para enfrentar os seus problemas, por isso o diálogo é fundamental. Demonstrar disponibilidade e interesse são questões essenciais, assim como a busca com brevidade a um serviço de saúde especializado. 

Médico Psiquiatra florense, Júlio César Bebber. - Arquivo Pessoal/Divulgação
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