Arquivo O Florense

Emílio Kunz: a influência alemã de um pioneiro em enologia

Conheça a história de um dos primeiros enólogos da região

“Em princípios de 1833, Santa Fé foi sacudida por uma grande novidade: a chegada de duas carroças conduzindo duas famílias de imigrantes alemães, as primeiras pessoas dessa raça a pisarem o solo daquele povoado. (...) Antes do anoitecer já havia informações positivas sobre as duas famílias. Chamava-se Erwin Kunz o alemão alto, magro, de rosto vermelho e sardento. Ia abrir uma selaria no povoado. Tinha mulher e uma filha cuja beleza deixou alguns dos homens que a viram um tanto perturbados.” Esse é um pequeno trecho da obra O Tempo e o Vento¸ do escritor Érico Veríssimo. Os Kunz ganharam espaço no livro, graças à proximidade que o personagem vitivinícola deste mês, Emílio Kunz, teve com o escritor gaúcho. Veríssimo costumava se hospedar na casa de Emílio, na região de Gramado, onde nosso personagem possuía a Vinícola Petronius. A casa antiga da família ficava a disposição de Veríssimo e por causa dessa amizade o escritor chegou a pedir permissão a Emílio para colocar o sobrenome alemão em sua grande obra. Foi assim, que o nome da família Kunz ficou eternizado na saga de Ana Terra e do Capitão Rodrigo.

Essa é um das histórias que o enólogo, um dos primeiros da região, Emílio Kunz, colecionou ao longo de sua trajetória. Filho de descendentes de alemães que desembarcaram no Brasil em 1846, Emílio nasceu em São Leopoldo (hoje município de Novo Hamburgo) em 1900. Era filho de Nicolau Júlio Kunz e Pauline Blos, que tiveram nove filhos. Cada um deles herdou, além do gosto pela arte e pela música, os negócios do pai. Nicolau Júlio era um artesão com diversos empreendimentos na cidade, inclusive na fabricação de destilados. Foi justamente nesse ramo que Emílio dedicou toda a sua vida. Mas, para isso, precisou deixar a região metropolitana e subir a Serra Gaúcha. E foi o acaso que tornou isso possível.

Na adolescência, Emílio havia contraído tuberculose, o que o deixou apenas com um pulmão. Sofria ainda de asma e sopro no coração. Aos 20 anos, era noivo de uma jovem, filha de um médico, que proibiu o casamento afirmando que temia que a filha ficasse viúva muito cedo. O médico não permitiu o casório, mas deu um conselho a Emílio: para que ele mudasse para um lugar com ar puro, como a Serra Gaúcha. O jovem fez a malas e passou a residir em Gramado. Ali, conheceu a primeira esposa Angelina Benetti, com quem teve os filhos Eloy, Ila, Dora e Lia. Foi em Gramado que passou a se dedicar a produção de vinhos e destilados. Autodidata e poliglota aprendeu os segredos da fabricação de bebidas em grande manuais de vitivinicultura escritos em alemão. “Por falar a língua e ter contato com a família na Alemanha, tinha o privilégio de ter acesso a muitos livros técnicos sobre o assunto”, conta o bisneto Júlio César Kunz.

Em 1939, Emílio fundou a Vinícola Petronius, na área central de Gramado. Mas, a fabricação de vinhos, espumantes, conhaques, whisky, vermutes e outras bebidas já havia iniciado anos antes. Grande parte da produção era comercializada em São Paulo e Rio de Janeiro. A vinícola estava localizada num conjunto de prédios, que também funcionava como residência da família. O porão abrigava seis grandes tanques de concreto que armazenavam cerca de 100 mil litros de vinho, além das pipas de madeira. Emílio tinha um cuidado com o meio ambiente e construiu também uma estação para tratamento dos efluentes e das sobras da fermentação. Além disso, prezava pela qualidade do produto o que fez com que a vinícola se tornasse uma grande potência no final da década de 1940.

Era conhecido como um ‘bon vivant’. Tocava rabecão, dançava tango e gostava de receber visitantes e personalidades, como o próprio Érico Veríssimo e os governadores do Estado. Sua influência também fez com que ajudasse amigos durante a Segunda Guerra Mundial, quando foi intensificada a repressão às nacionalidades envolvidas no conflito, em especial italianos e alemães. Como havia apreensão de livros escritos em língua estrangeira, Emílio escondeu em sua própria casa obras de amigos, como as de um médico alemão. Anos mais tarde, em troca da cumplicidade, o médico o presenteou com um manual de medicina escrito em alemão. Livro que a família Kunz guarda até os dias atuais.

No início da década de 1950, as dificuldades do pós-guerra, fizeram com que Emílio vende-se a Petronius (a vinícola funcionou até 1982, quando foi totalmente desativada. Sua estrutura hoje abriga um centro cultural) e mudasse de cidade. Começava uma nova fase.

Enólogo ambulante

Ele muda-se para Caxias do Sul, onde passa a dar consultoria enológica para os produtores de uva e vinícolas da região. Em sua caminhonete Williams, monta um verdadeiro laboratório ambulante, com calda bordalesa e outros preparos, para serem utilizados nas propriedades. No laboratório móvel Emílio também realizava análises dos vinhos. “Ele ia passando de produtor em produtor fazendo as análises. Dessa forma, foi um dos primeiros técnicos enológicos da região”, conta o neto, Emílio Kunz Neto.

Mais tarde, muda-se para Flores da Cunha e passa a trabalhar como enólogo na Cooperativa Santo Antônio e na vinícola João Slaviero & Cia Ltda, em Otávio Rocha. Mesmo atuando nas empresas, continua o seu trabalho de técnico ambulante.

No início da década de 1960, o filho Eloy Kunz, já residindo em Flores da Cunha, monta uma indústria de bebidas, a E. Kunz & Cia, fundada em 8 de agosto de 1959. Emílio passa então a utilizar o laboratório da empresa para fazer a análise das bebidas. “Lembro dele me ensinando a fazer titulação (análise química para determinar a concentração de substâncias nas composições) e ele nunca olhava os resultados e eu o questionei. E ele me disse que o melhor laboratório era a boca”, lembra o neto Emílio.

Mesmo depois de aposentado, o enólogo continuou a fabricar bebidas em sua casa no centro de Flores, onde morava com a segunda esposa Alfredina e a filha Yasmin. Ali, elaborava whisky e outros destilados e, muitas vezes, ensinava a receita aos moradores que iam até a sua casa. “Ele gostava muito de destilado e era uma pessoa muito dedicada. Um fato curioso é que quando o João Vignatti, que tinha se formado na primeira turma de enologia, entrou na Cooperativa Santo Antonio, o Emílio estava se aposentando. Ou seja, quando o primeiro enólogo chegou, ele já estava se aposentando”, diz o neto.

Emílio faleceu em 1986, aos 86 anos, vítima de uma pneumonia. Seu legado foi continuado pelo filho Eloy e pelo neto e bisnetos. Em 2013, eles retomaram essa história com a fundação da Petronius Cervejaria & Destilaria (uma homenagem à antiga vinícola de Emílio), agora sob a direção da nova geração, o neto Emílio e os bisnetos Júlio César e Augusto. Tudo, com o intuito de escrever um novo capítulo na produção de bebidas da família Kunz.

 

Matéria publicada originalmente no Jornal A Vindima de dezembro de 2014.

 - Arquivo Familiar/Divulgação
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1 Comentários

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    Carlos Antônio Sgarioni18 de Janeiro de 2020 às 20:20

    Parabéns pela matéria, Emílio Kunz, escreveram parte importante da história de Flores da Cunha, e o Eloy solidificou e deixou os destilados com sua marca, além disso a história do Galo! símbolo à nossa terra.

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